De: F. Rocha Antunes - "A Essência do Comércio"
Cara Cristina,
Acredito que as suas preocupações são genuínas, mas por favor nunca fale em público em mais regulamentação. Acredite ou não há dezenas de pares de olhos que ao lerem o seu post estão a esfregar as mãos de contentes, a pensarem em formas maquiavélicas de garantir que os candidatos a comerciantes vão ter de explicar, direitinho, que mania é essa de quererem ganhar dinheiro, de passarem à frente dos outros comerciantes já estabelecidos, imagine-se até com vontade de lhes roubarem a clientela mais interessante…
O comércio é uma actividade económica já suficientemente regulamentada. O que é preciso é que a regulamentação seja simples, clara e aplicável a todos, sem excepção. Mas a liberdade comercial é isso mesmo, uma liberdade, em que cada potencial comerciante imagina, sonha, visiona, delira, com a forma mais eficiente de seduzir, atrair, deliciar os consumidores que ainda não são seus consumidores. Essa é a essência do comércio.
Para que não pense que apenas os promotores imobiliários e outros capitalistas empedernidos como eu pensam assim, deixo aqui um trecho escrito por alguém que não pode ser metido no mesmo saco que eu e que definiu, brilhantemente, A Essência do Comércio.
“…Esta história, em aparência tão simples, encerra um ensinamento que todo comerciante, que não o seja simplesmente por brincar às vendas, devia tomar a peito, compreender na sua essência. Um comerciante, qualquer que seja, não é mais que um servidor do público, ou de um público; e recebe uma paga, a que chama o seu “lucro”, pela prestação desse serviço. Ora toda a gente que serve deve, parece-nos, buscar agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve - mas estudá-lo sem preconceitos nem antecipações; partindo, não do princípio de que os outros pensam como nós, ou devem pensar como nós - porque em geral não pensam como nós -, mas do princípio de que, se queremos servir aos outros (para lucrar com isso ou não), nós é que devemos pensar como eles: o que temos que ver é como é que eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria agradável ou conveniente que eles pensassem.
Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça, e esquecendo que os olhos e os ouvidos - os sentidos, enfim - é que fornecem os elementos que o nosso cérebro há de elaborar, para com essa elaboração formar a nossa experiência.”
Leiam o resto que vale a pena. Ah, quase que me esquecia de dizer quem escreveu isto: Fernando Pessoa.
Francisco Rocha Antunes
Promotor imobiliário