De: Rui Valente - "MEDO e conveniências"
Dos profusos e excelentes artigos sobre a crise do Norte que hoje foram publicados pelo JN, da autoria de Alexandra Figueira e Carla Soares, parece podermos todos resumir, sem complicar, que a responsabilidade pela situação (como aqui sempre defendi) é um misto de inércia da sociedade nortenha com uma centralização autista ferozmente acentuada ao longo dos anos. Por razões que os referidos artigos comprovam abundantemente, sempre me pareceu que ao deslocar irresponsavelmente os serviços do Estado mais importantes e as sedes das maiores empresas para a capital a percentagem máxima de culpa pela profunda crise regional teria justamente de ser atribuída aos vários Governos que a andaram a fomentar. No mínimo, por abuso de poder e por uma mórbida falta de sentido de Estado.
Pior do que a constatação destes factos, é aquilo a que eu chamo de vigarice política ou aquilo que outros mais "delicados" preferem chamar apenas política. Vigarice política que é, por exemplo, fazer de conta que se transfere a sede do maior banco nacional (BCP) de Lisboa para o Porto apenas para mascarar a entrega do BPA ao BCP e não a um grupo de empresários nortenhos (como é referido no JN) entre os quais contava Belmiro de Azevedo. A "sede" do BCP só serve afinal para sala de visitas e reuniões de accionistas. Com o BPI, parece ter acontecido destino semelhante, ao mesmo tempo que cai também por terra a esperança que aqui o Tiago (e eu) depositava em Artur Santos Silva para eventualmente corporizar uma futura presidência à Câmara do Porto. O silêncio público que mantém sobre o sucedido é uma notória forma de cumplicidade e de submissão à Centralização. Também não será este o nosso Homem, ao que parece.
Um dos artigos do JN, também aborda com pertinência a questão dos protagonistas ou a falta deles (que igualmente já aqui reclamei) para baterem o pé a Lisboa. Falta de unidade, de liderança, de força reinvindicativa e capacidade mobilizadora é o que se pode ler. Fala também dos estrategas "das falinhas mansas", ao bom estilo de Rui Rio, dos que temem chamuscar o Poder Central, como se no lugar de uma região depauperada estivesse um simples cortesão a pôr em causa a honra de uma donzela medieval.
Em suma: o MEDO de afrontar o Poder Central e Centralizador está instalado, e o comodismo dos protagonistas locais não os deixa dar a cara. De vez em quando, lá vão mostrando alguns salpicos avulsos de inquietação, apenas para se lembrarem e nos lembrarem que ainda respiram e que são gente. Mas, bem vistas as coisas, estes sobressaltos regionalistas podem tornar-se numa chatice perigosa comparados com a segurança de uma aposentação milionária garantida, sobretudo se prometerem não levantar muitas ondas...
Este deve ser o espírito dominante dos protagonistas virtuais da actualidade. Estarei muito enganado? Tirem as vossas conclusões.
Rui Valente
Ps- É por toda esta hipocrisia política que condescendo com os excessos de Alberto João Jardim. O ódio que suscita nos seus adversários não é tanto pela sua incapacidade política ou défice democrático, mas apenas porque incomoda, ameaça e desafia o Poder Central. Senão, aguardemos e vejamos se o povo madeirense vai ou não recolocá-lo na Presidência da região. Em democracia, é o povo quem mais ordena, a quem cabe a última palavra e o direito soberano de o criticar. Afinal, como seria a Madeira sem a autonomia e sem um Jardim? Uma segunda versão do Norte Continental ou pior?