De: António Alves - "Ainda o Aleixo"
Sem por em causa a qualidade arquitectónica e urbanística dos empreendimentos recentemente erguidos junto ao Bairro do Aleixo, assim como do projectado para a antiga Fábrica do Gás, tenho fundadas dúvidas sobre o contributo positivo de tais urbanizações no que concerne à recuperação do problemático bairro. Sou testemunha diária e próxima (porque vivo nas Condominhas) da vivência do bairro e garanto, baseado naquilo que testemunho há anos, que a construção dos citados empreendimentos (um a norte e outro a poente) em nada alterou qualitativamente o quotidiano da zona. A vida segue normalmente como sempre: o tráfico de droga não dá mostras de abrandar; as operações policiais de grande aparato continuam a acontecer com periodicidade mais ou menos semanal; o número de almas penadas que circulam pelas redondezas também se mantém; vão mudando as caras porque a divina providência vai-se encarregando de libertar algumas da vida terrena. Aliás, uma das urbanizações, a que se localiza a poente e confina com o edifício dos ateliers de famosos arquitectos, é um condomínio fechado, com muros e gradeamentos quase presidiários, cujos moradores entram e saem de automóvel completamente alheios ao mundo de miséria que lhes fica a uma centena de metros da porta. Mais uma urbanização luxuosa a sul apenas completará o "cerco" ao bairro e ampliará a sua condição de ilha miserável cercado por casas para ricos.
O que expressei acima não quer dizer que seja de opinião contrária à construção de novas urbanizações nos terrenos circundantes. Antes pelo contrário. Todavia, todos sabemos também como os terrenos do Aleixo são cobiçados pela sua privilegiada localização sobranceira ao Douro. O completar do "cerco" apenas trará uma única variação ao status quo do bairro: aumentará a pressão para que acabe demolido. Também aqui à partida nada contra, mas se for só isso não devemos chamar-lhe integração. Tal como Rui Rio no caso do S. João de Deus, julgo que bairros como este já atingiram um tal nível de degradação que muitas vezes a demolição é mesmo a melhor solução. No entanto, antes de enveredar por uma solução desse tipo é preciso pensar nas pessoas (a maioria dos moradores que nada tem a ver com tráfico de estupefacientes) e garantir-lhes uma solução de qualidade que as valorize e contribua decididamente para o seu progresso social. Nada poderá ser levado a cabo sem o envolvimento efectivo dos principais interessados. A construção no local dum novo bairro mais pequeno e de qualidade, por exemplo para os mais idosos, e o realojamento de muitas destas famílias em casas que possam vir a ser recuperadas na Baixa é uma possível solução. Entretanto o tráfico de droga deve ser severa e sistematicamente reprimido. Agora, antes e depois de qualquer solução. Até para separar o trigo do joio.
António Alves