De: Cristina Santos - "Luta de direitos"
No Porto vamos travando lutas em nome de lógicas que legalmente não são aceites, mas que nem por isso deixam de ser razoáveis, o problema são mais umas vez os danos colaterais, é que para impor essa razão a que a legislação não alude, prejudicamos e subvertemos os direitos adquiridos por outros cidadãos.
Vejamos este caso, já referido pelo Tiago. A Empresa Municipal de Habitação e Manutenção da CMP reclama o direito de pagar IVA a 5%, justificando que apesar de juridicamente se tratar de uma empresa municipal, o serviço que presta é de cariz social. Penso que para o Estado devia ser evidente que o problema do parque habitacional da CMP exige medidas de excepção, devendo por isso aceitar que burocraticamente a EMHM seja uma EM, mas que lhe assista o direito efectivo de pagar IVA a 5% aos empreiteiros que para ela prestam serviço.
No entanto, o sistema tributário não se compadece de tais circunstâncias de excepção, e tendo após uma fiscalização tributária percebido que a EMHM requeria dos empreiteiros facturas com IVA a 5%, exigiu dos prestadores de serviços a reposição do IVA de 5% para a taxa normal. Ora esta situação acarretou inúmeros problemas para os empreiteiros que tinham contratualizado o IVA a 5%, e foram obrigados a repor as diferenças de facturas de 5 anos, sem antes receberem esse diferencial da empresa municipal, que durante algum tempo continuou a reclamar do Estado o direito de pagar IVA a uma taxa mínima, não pagando aos empreiteiros.
À data a EMHM já pagou o diferencial, mas subsiste o problema para aqueles que não puderam assumir o pagamento imediato do requerido pelo sistema tributário e assim foram penalizados com juros e com autos de notícia que continuam a receber, sem que o Estado se compadeça das circunstâncias em que a infracção ocorreu. A EMHM exigiu sempre dos prestadores IVA a 5%, chegando até a devolver facturas com IVA tributado à taxa normal. Claro está que os empreiteiros, a não concordarem com estas taxas, poderiam ter solicitado um parecer que justificasse a obrigação da empresa municipal pagar o IVA de acordo com a lei, mas nesse caso ficariam sem contrato de prestação, uma vez que a EM ainda hoje reclama o direito de ser entendida tributariamente como uma empresa social.
Tem a EMHM razão? Por um lado tem toda a razão, mas essa razão não pode ser requerida por uma lógica circunstancial, essa razão tem que ter bases legislativas, sob pena de prejudicar todos os outros parceiros sociais. Ao momento empreiteiros, empresa municipal e os que os representam, reclamam do Estado que sejam anulados os autos de notícia e os juros devidos pelo incumprimento, mas até se resolver essa questão há empreiteiros em graves dificuldades.
Isto vem a propósito de uma série de entendimentos que a CMP vem a fazer de outros casos, como seja o despedimento dos trabalhadores da Culturporto que, visto assim de fora, se afigura como mais uma interpretação particular da lei do trabalho. E voltamos ao cerne da questão, Rui Rio pode estar coberto de razão, os direitos que para si reclama muitas empresas os defendem, o problema é que essa defesa não pode por princípio partir do desrespeito de direitos adquiridos por outros. Ou se calhar até pode, mas isso só aconteceria se o País estivesse à beira de uma revolução e que fosse necessário desrespeitar e reclamar com violência os direitos que consideramos justos, por surdez de um Estado impositor. Mas se assim fosse, então os manifestantes do Rivoli teriam também todo o direito de se contrapor à força policial contra eles usada e aqui voltávamos 30 anos atrás.
Não sei onde vamos chegar ao fazer tábua rasa do que consideramos mal na lei, mas a CMP tem-no feito muitas vezes e até agora tem-se dado bem, pelo que não sei até que ponto não poderão os particulares começar a usar a mesma tábua para partir os direitos adquiridos de uns e outros que no caso público muitas vezes são uma fraude. E aí, a podermos tecer entendimentos que reclamam atenções particulares de leis demasiado generalizadas, estávamos a reclamar eficiência governamental, a análise caso a caso, certamente com danos colaterais e vítimas civis, mas em prol do bem comum, ou não?
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Cristina Santos