De: António Alves - "Rui Moreira, António Alves, o TGV e o Portocentrismo"
Caro Dr. Rui Moreira
Afinal não me parece que estejamos assim tão em desacordo. Que não haverá qualquer TGV entre Porto e Vigo também eu já o afirmo há muito; que a ligação a Vigo será uma linha de velocidade elevada (200/250 km/h) e em bitola ibérica também eu já o disse por aqui várias vezes. A ligação à Galiza será apenas um upgrade de velocidade à actual Linha do Minho até Braga e um novo troço em bitola ibérica a partir daí que entroncará na parte espanhola também numa renovada via de bitola ibérica. Julgo que divergimos apenas no facto do Dr. Rui Moreira ter acreditado no traçado em "pi" deitado e que a Linha Aveiro-Salamanca seria prioritária. Algo em que eu nunca acreditei e que sempre me pareceu uma maneira inteligente de calar todos os autarcas que exigiam o TGV à sua porta. Os factos vieram a dar-me razão: rapidamente se reduziu toda aquela profusão de linhas ao famoso "L". Afinal aquilo que sempre interessou a algumas elites sedeadas na capital: terão a sua ligação à "óropa", obviamente deficitária, que será sustentada por todos nós. Ressalvo que nada tenho contra a Linha Aveiro-Salamanca. Considero até que seria uma ligação fundamental. Tem um único grande problema: não me parece, infelizmente, que venha a ser construída. Quero também frisar que não sou grande adepto do TGV, que me parece um pindérico luxo de novo rico desadequado para as nossas distâncias e realidade. Uma boa rede de velocidade elevada é mais do que suficiente.
A grande questão ferroviária devia chamar-se "mudança de bitola" e não rede de TGV. Devíamos já estar há muito a preparar uma operação de grande escala para paulatinamente mudarmos para a bitola standard europeia e não a gastarmos rios de dinheiro em projectos de "TGV". Tal como diz, corremos o sério risco de termos os ricos de Lisboa a viajarem de TGV para fazer visitas aos Preciados e as nossas mercadorias para a Europa continuarem a ser transportadas em cima de milhares de camiões TIR, com toda a perda de competitividade que isso implicará no futuro, só porque nos deixamos ficar aprisionadas na bitola ibérica. Mas, como imagina, isto é um tema muito árido que garantidamente não dará votos a ninguém.
Agora outra questão. Se a Linha Porto-Vigo será, como sabemos, numa primeira fase, em bitola ibérica não vejo nenhuma razão objectiva para que não passe desde já no Aeroporto Sá Carneiro (ASC). A Senhora Secretária do Transportes deve estar mal informada para recusar a construção, já na primeira fase, dum canal Aeroporto-Trofa. De Campanhã ao ASC, em bitola ibérica, não é necessário qualquer túnel. Basta construir cerca de 2,5 km de via nova porque o resto do caminho já existe. Pelo Ramal de Leixões, de Campanhã ao ASC, distam apenas cerca de 18 km. 16 kms de carris já existem e são actualmente apenas utilizados para o transporte de mercadorias. São em via única, embora a plataforma já esteja preparada para receber via dupla, estão electrificados e equipados com comando centralizado de tráfego. Com a desejável duplicação e adaptação a um tráfego mais intenso e de maior velocidade (nada de muito caro) garanto-lhe que, se me derem condições para uma ridícula velocidade média de 80 km/h (coisa fácil de conseguir), coloco lá qualquer comboio, partindo de Campanhã, nuns escassos 15 minutos. Obviamente, considero facilmente alcançável tempos muitos mais favoráveis. Haja vontade.
A serem construídos estes parcos 2,5 km de via para ligar o Ramal de Leixões ao ASC, ficaremos com Vigo, Braga (estas duas cidades sem necessidade de passar antes por Campanhã), Aveiro, Coimbra e até Guarda directamente ligadas à plataforma logística composta pelo ASC e pelo Porto de Leixões. Coimbra ficará, pela actual Linha do Norte, a 1h e 15 m do ASC, Aveiro a 48 min, Braga a menos de 30 e Vigo a cerca de 1 hora da aerogare. Todas estas cidades serão beneficiadas pois a sua competitividade económica sairá beneficiada pela aproximação destas às citadas infra-estruturas. O campo magnético do "íman" será substancialmente amplificado. O Ramal de Leixões, infra-estrutura muito subaproveitada, tem esta e ainda outras potencialidades.
Tem toda a razão quando afirma que seria um absurdo transformar a Linha do Douro numa linha de alta ou velocidade elevada. O impacto paisagístico seria terrível e a orografia onde se inscreve não se presta a tal obra. No entanto, e num quadro em que se adivinha a não construção do eixo Aveiro-Salamanca, poderá ser uma alternativa viável para levar as mercadorias ao nó de Medina del Campo. Embora alguns julguem o contrário, TGV's não transportam mercadorias. A Alta Velocidade é aqui, nas mercadorias, irrelevante. A fiabilidade e pontualidade são, neste campo, os parâmetros mais valorizados. Mas disso entende o Dr. Rui Moreira bastante mais do que eu. Por outro lado, essencialmente pelo seu potencial turístico, a Linha do Douro não deve ser nunca abandonada. Ela liga uma cidade património mundial, Salamanca, a outra, o Porto, igualmente património da humanidade, atravessando um magnífico vale também ele património do mundo e de todos nós.
As minhas sinceras desculpas pela acusação de portocentrismo. Já vi que era manifestamente injusta. Às vezes a minha costela minhota leva-me a alguns exageros.
António Alves
(representante do lóbi ferroviário no Baixa do Porto) :-)