De: Hélder Sousa - "O que está em causa no Rivoli?"
Mesmo sendo difícil perceber, o que está em causa é:
1. O direito de cidadãos livres à expressão pública contra as acções de um executivo democraticamente eleito; o direito à desobediência cívica e à irregularidade como forma de chamar a atenção para um problema reconhecido, pelo menos, por mais de dez mil pessoas que assinaram a petição Juntos no Rivoli, e o direito/dever de responderem por essa irregularidade; o direito de estas pessoas serem ouvidas pelos representantes da autarquia, que – para usar argumentos que toda a gente entende – estão a ser pagos com os nossos impostos para ouvir os cidadãos.
2. A alienação temporária de um equipamento cultural público – um dos melhores do nosso país – para fins comerciais. Isto faz com que se atribua, directamente, um subsídio de valor incalculável a uma única entidade privada que vai exercer uma actividade comercial e entrar no mercado de outros operadores privados com um poder muito superior, devido a este investimento público. (este é um argumento ao estilo de quem pensa em mais em números do que em pessoas!)
3. A pouca clareza de um suposto concurso público: não foi publicado nenhum regulamento do concurso. Foram apenas mencionadas linhas de orientação que se tornaram flexíveis a posteriori porque nenhum operador privado conseguiria cumprir com essas linhas orientadoras (os famosos 300 dias de espectáculo, p. ex.), mas ninguém sabe quão flexíveis. Não foram exigidas garantias de viabilidade aos concorrentes. Não foram divulgados outros objectivos desta concessão, para além da diminuição da despesa da autarquia. Não foi exigido um debate público sobre as candidaturas a concurso. Não foram divulgados nem os métodos nem o júri de avaliação do suposto concurso.
Tenho para mim que estes pontos são mais do que fundamentais quando se pretende dar um espaço como o Rivoli (dois auditórios, um dos quais tem o maior palco da cidade, um café-concerto, uma sala de ensaios – única para ensaios de dança -, mais um espaço de café, que já foi livraria, mais muitos milhares de euros em equipamentos, mais o prestígio nacional e internacional da marca RIVOLI, que este executivo nada fez para potenciar) para ser gerido por uma entidade privada durante quatro anos em troca de algumas centenas de bilhetes para associações locais.
Creio que estes três pontos já são suficientes (e suficientemente claros) para apoiar quem se manifesta contra todo este processo, mesmo quando essas manifestações são de carácter ilegal – como a ocupação – mas são também de desespero pela opacidade dos gestores públicos desta autarquia.
Há ainda outras coisas que estão em causa nesta discussão:
- - O papel das autarquias na promoção de uma cultura diversificada independentemente da capacidade de atracção de público e de receitas;
- - A relação da autarquia com os criadores da cidade;
- - A importância da existência de um centro cultural de iniciativa autárquica para a promoção e desenvolvimento do seu centro urbano.
Mas estes são os pontos que menos consensos atingem e já não tenho vontade de falar sobre eles. Eu estou do lado de quem, ilegalmente, ocupa o Teatro Rivoli desde a noite de domingo. Não me interessa se o espectáculo que lá estava só teve 30 espectadores. Para que se saiba: o espectáculo começava nos Claustros de S. Bento da Vitória, seguia para a galeria Plano B e terminava no Pequeno Auditório do Rivoli. As pessoas passeavam pela Baixa, à noite, e seguiam os actores e o espectáculo. A lotação não permitia muito mais do que 30 espectadores.
Hélder Sousa