De: Paula Morais - "Sobre a incompatibilidade do exercício da arquitectura"
Caros participantes d'A Baixa do Porto,
Em resultado de um pedido que me foi dirigido, e na qualidade de cidadã-arquitecta (em parte munícipe do Porto), venho partilhar a minha opinião sobre o tema que tem sido aqui recentemente alvo de debate: a incompatibilidade entre o cargo público de vereador de câmara municipal e o exercício da arquitectura. Sem me referir a nenhum caso concreto e apenas com os conhecimentos gerais de que disponho como normal cidadã, resumo o seguinte:
Como nota o Presidente do Conselho Directivo da Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos na notícia do Público de hoje, existem cada vez mais casos de arquitectos a assumir cargos públicos, o que aliás considero uma mais valia em termos de cidadania, pois demonstra a abertura à sociedade de uma classe profissional que em muito pode contribuir, uma vez que de acordo com o Estatuto da associação profissional que regula o exercício de todas as formas e tipos de actividades que um Arquitecto pode exercer em Portugal "o arquitecto deve, no exercício da sua profissão, pôr os seus conhecimentos e a sua criatividade ao serviço do interesse público".
Quer dizer que quando um arquitecto faz o projecto de uma moradia, dá aulas numa escola, é director técnico de uma empresa de construção civil, é consultor de design numa empresa de mobiliário, é fiscal de obras de um município, é perito avaliador de uma instituição financeira, é vendedor de materiais de construção, ou dá explicações de geometria num centro de estudos, entre outros, deve sempre exercer a sua actividade enquanto arquitecto no respeito primeiro pela lei geral e depois pelas normas jurídicas específicas que regulam a sua classe profissional (no caso o Estatuto, que também é lei, uma vez que foi publicado por um Decreto-Lei da Presidência do Conselho de Ministros em 1998).
Sobre o tema da incompatibilidade das funções de vereador de câmara municipal, a lei geral (amplamente debatida e merecedora de uma extensa colecção de pareceres emitidos quer por associações profissionais, como por exemplo a Ordem dos Advogados, quer por tribunais e organismos públicos, como as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) prescreve o artigo 4.º que, à semelhança de outros cargos, os vereadores (a tempo inteiro) "exercem as suas funções em regime de exclusividade", sendo a titularidade do cargo de vereador "incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos"; contudo, a mesma lei, e com as alterações que lhe foram introduzidas em 1998, no artigo 6.º, dá permissão para que os vereadores possam "exercer outras actividades", desde que sejam cumpridos dois requisitos: por um lado essas actividades sejam comunicadas ao Tribunal Constitucional e à Assembleia Municipal, e por outro lado, essas actividades não sejam consideradas incompatíveis com a função de vereador noutras leis especificas, como as leis que regulem actividades profissionais (cfr. o n.º 2 do artigo 6.º, de acordo com o qual o disposto no artigo 6.º "não revoga os regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos noutras leis para o exercício de cargos ou actividades profissionais").
Por sua vez, a lei específica (Estatuto) que regula a actividade dos Arquitectos, e ao contrário por exemplo do que sucede com o Estatuto da Ordem dos Advogados (que é omisso neste assunto), determina expressamente na alínea d) do seu artigo 46.º, que o exercício da arquitectura é incompatível com as funções de "vereador de câmara municipal".
Em síntese, e da minha leitura aos diplomas legais mencionados, entendo que a função de vereador de câmara municipal não é, por si só, incompatível com o exercício da actividade da arquitectura, mas já o exercício da arquitectura é, por lei, incompatível com a função de vereador.