De: José Ferraz Alves - "O RSI e a Câmara do Porto"
O que se depreende do artigo sobre o Rendimento Social de Inserção de 10 de Setembro, na página 2 do Jornal de Notícias, é um total desnorte no domínio das políticas sociais. De referir que dos 270 mil apoios a nível nacional, quase 30% respeitam a pessoas do distrito do Porto. Ou seja, mais do que os votantes em Rui Rio nas últimas eleições no Porto.
Alguns excertos revelam o que considero como escabroso: “… Feitas as contas, há pessoas a ter direito a receber oito ou dez euros mensais…”; “… as pessoas passaram a receber tão pouco que deixaram de poder pagar a renda e mudaram-se para as casas dos pais, mas basta que os idosos recebam uma pensão para que o filho perca direito ao RSI…”, “… outra situação comum é a incapacidade que os beneficiários têm para pagar as alterações de documentos que se pedem para a renovação das pensões…”.
O que me parece mais grave, é a clara a intenção de desincentivar o recurso a este sistema de apoio aos pobres dos pobres, não existindo qualquer via alternativa que se apresente. Nem que se assuma que se pretende terminar com este sistema, o que revela uma grande hipocrisia social. Mais grave, por ter um partido que se denomina por cristão, por detrás desta insensibilidade e incapacidade: “… O Governo tem um bolo a distribuir. Se não chega para o número de pessoas em condições de beneficiar muda as condições… As oitava e nona avaliações da Troika deverão resultar num corte ainda maior nos apoios sociais que depois são compensados por cantinas sociais…” (Prof. Luís Bento).
Temos a caridade como o último recurso, um retrocesso neste novo mundo de criação do empreendedorismo social, e as suas respostas à situação de pobreza e exclusão que envolvam e capacitam as pessoas envolvidas. A caridade nem sempre é a resposta aos problemas dos pobres. A sua importância não pode ser negada, dado que é apropriada em situações de calamidade e quando serve para ajudar aqueles que se encontram em situações tão deficientes que não estão em condições de se ajudarem a eles próprios. Mas os donativos a as esmolas retiram a iniciativa e a o sentido de responsabilidade às pessoas. Quando algo está disponível gratuitamente tende-se a gastar a energia e o talento nessa busca em vez de a direccionar na conquista de realizações próprias. A esmola encoraja a dependência, em vez da auto-ajuda e da auto-estima. Também encoraja a corrupção e cria uma relação de poder desequilibrada, dado que os seus beneficiários procuram um favor e não algo a que têm direito, desaparecendo a responsabilidade por se tornarem relações de sentido único.
Mas gostaria sobretudo de me referir a esta ideia do “trabalho socialmente útil”, porque é falsamente vendida como uma modernidade de políticas sociais para capacitar as pessoas. Quanto muito ocupa-as, e torna-se num sistema de emprego a baixo custo para o empregador, o que é um dos grandes riscos associados a esta moda do voluntariado, que me referirei noutro momento: “Uma das principais alterações introduzidas no ano passado obriga os beneficiários a aceitar trabalho socialmente útil, em instituições de solidariedade ou câmaras ou juntas de freguesia. Será trabalho não remunerado de máximo de 15 horas semanais”. Isto remunerado pelos 8 ou 10 euros mensais, ou pelo máximo de 178,15 euros mensais? Isto é uma distorção pública ao mercado de trabalho, incoerente com um dito governo pós-liberal. Trata-se de um desincentivo ao emprego, contrariamente ao que levemente se parece concluir.
Como alternativas, há novos e com muito êxito sistemas, em que se pagam prémios em subsídios precisamente por acumularem empregos: em Nova Iorque, cerca de 2.500 famílias têm recebido transferências de dinheiro condicionadas, se cumprirem determinadas tarefas que lhes darão uma oportunidade para escaparem à pobreza. Esta experiência que decorre em Nova Iorque foi implantada, pela primeira vez, no México, ideia do economista mexicano Santiago Levy. Enquanto estudante e, mais tarde, já como professor de Economia, devorou tratados sobre a melhor forma de educar e alimentar os pobres. Percebeu que dar a uma família pobre um quilo de tortilhas iria alimentá-la por um dia; mas, a longo prazo, um quilo de tortilhas por dia nunca iria ajudar aquela família a escapar da pobreza. Levy, então Ministro-Adjunto das Finanças, propôs ao então Presidente do México, Ernesto Zedillo, acabar com os subsídios alimentares, substituindo-os por um programa de subsídios monetários aos pobres, pagos às mulheres, gestoras domésticas, sob determinadas condições: os filhos deviam passar a frequentar a escola e todos deviam ir, regularmente, aos centros de saúde.
Tratava-se de pura economia: o México iria poupar milhões de pesos com a eliminação dos subsídios de comida e os pobres iriam receber dinheiro em troca do investimento na saúde e na educação. A ideia de dar dinheiro aos pobres em troca de bons comportamentos difundiu-se rapidamente na América Latina e noutros países em desenvolvimento, sendo apadrinhada pelo Banco Mundial. Recentemente, o Banco Mundial e outras instituições lançaram um programa na Tanzânia que paga aos jovens com idades entre os 15 e os 30 anos, cerca de 32 euros anuais, por se manterem HIV negativos.
Ao nível dos EUA, o município de Nova Iorque enviou em Abril de 2007 uma delegação ao México com a missão de estudar o programa Progresa. Os primeiros subsídios foram atribuídos em Setembro de 2007 e a fase de experiência prolongar-se-á por mais 3 anos, seguindo-se um período de avaliação de 5 anos. Se alcançar os resultados esperados, espera-se uma reformulação de todas as políticas sociais no país. Prevendo desde logo a controvérsia, o município instituiu o programa como uma experiência de aplicação das regras de mercado aos problemas sociais. Bloomberg também decidiu, de forma astuciosa, financiar esta experiência com fundos privados – subsídios da Fundação Rockefeller, AIG, Fundações Starr e Robin Hood e do Open Society Institute de George Soros - , em vez de recorrer a receitas de impostos. E contribuiu, igualmente, com fundos seus.
Isto a propósito de algumas boas medidas, arrojadas e que vão ao cerne da questão, que têm aparecido nestas campanhas mais locais e regionais, que deveriam marcar uma mudança no grande conservadorismo e falta de coragem para o risco, a que assistimos nas políticas nacionais. Destaco a intenção de Manuel Pizarro colocar painéis solares em bairros sociais com os impactos que terão sobre os rendimentos das famílias, aumentando-o, por reduzir os custos fixos. Uma proposta corajosa e visionária, que vai aos fundamentos da crise que vivemos, o nosso empobrecimento, por redução dos salários e aumentos dos custos monopolizados na energia, comunicações, combustíveis, serviços financeiros e mobilidade.