De: Nuno Carvalho - "Sobre a legitimidade da CMP"
Interessante ver até que ponto a nossa perspectiva sobre determinado assunto pode mudar radicalmente para o oposto daquilo que costumamos defender quando esse assunto é proporcional a uma calcadela violenta no dedo mindinho de um dos nossos pés. Obviamente que a coerência é um atributo irreal, sendo essa constatação essencial para uma forma humana de construção ideológica, ou seja, nunca ter a certeza absoluta de que o caminho que hoje me parece fundamental não possa, um dia, ser precisamente o seu contrário.
Todavia, parece-me importante que a avaliação de qualquer assunto político, sendo este político decorrente da Polis, seja resultante de uma perspectiva comum, e não individual, do que é a cidade e de como deve ser feita a sua gestão. Só assim, mesmo passando diversas vezes por alguma incoerência, podemos caminhar sem a esquizofrenia de andar de um lado para o outro consoante a necessidade individual de evitar as mais variadas calcadelas, as que nos dão e as que, mesmo insconscientemente, possamos dar.
Isto tudo a propósito deste, deste e deste post do Tiago. Ora, segundo o que conheço do Tiago, conhecimento esse essencialmente fundamentado nos textos que escreve, parece-me que estamos aqui perante uma sua incoerência. É que, segundo a sua, quase sempre, argumentação sobre casos que se passaram nesta Polis, a tal que se diz Invicta, a CMP tem sempre legitimidade para decidir variadíssimas coisas sobre o espaço da cidade e de quem nele habita, mesmo sem a necessidade de "ouvir" os habitantes. Porque o Tiago é defensor acérrimo do sistema da democracia representativa, considerando mesmo que, tal como teorizado por Friedrich Hegel, estamos no "fim da história", ou seja, atingimos o equilíbrio ideal nas sociedades humanas com o capitalismo e a democracia como apogeu da Polis. Esse sistema dá uma legitimidade total a qualquer representante, democraticamente eleito, durante todo o seu mandato, mesmo que tenha sido escolhido para esse mandato por razões diametralmente opostas àquelas que agora coloca em prática. O "povo" foi ouvido, ponto final.
Pessoalmente, tenho uma perspectiva completamente oposta a esta. Tive já varias situações de discussão com o Tiago sobre estas mesmas perspectivas, principalmente com o caso da Es.Col.A. da Fontinha e de algumas acções criadas pelo colectivo informal da casaviva. Confesso que me agrada que o Tiago, de repente, mesmo que decorrente de uma calcadela dolorosa no seu dedo mindinho do pé esquerdo, coloque em causa este "fim da história". Mas não posso deixar de lhe beliscar tenuamente o dedo mindinho do pé direito, dizendo-lhe, como ele várias vezes não se cansa de repetir, que tem sempre a opção de, no próximo acto eleitoral, mudar de representante... e se mesmo assim não ficar satisfeito, sempre pode emigrar para uma qualquer bouça isolada nas montanhas da serra da Lousã.