De: José Machado de Castro - "Habitação na cidade do Porto: uma história de violência social"
1 - No Porto, a falta de habitação digna para milhares dos seus habitantes não é nova, o que torna ainda mais grave a falta de resposta dos responsáveis políticos. No início do século XX, no seguimento do terrível surto de peste bubónica (último foco ocorrido numa cidade da Europa ocidental) não faltaram vozes, como a do médico municipal Ricardo Jorge, para evidenciar as péssimas condições em que vivia “um terço da gente do Porto, perto de 50.000 moradores”. A indústria tinha atraído à cidade, como já acontecera noutros países, milhares de pessoas. Entre 1878 e 1911 a população cresceu de 105.838 para quase 200.000 habitantes. E sem resposta do parque habitacional existente, nasceram as “ilhas” como forma específica de alojamento para trabalhadores, parcelas com uma área de 16 m2 no interior de quarteirões, sem quaisquer condições de higiene e salubridade. Em 1936 um relatório ordenado pelo então presidente da Câmara, Mendes Correia, indicava como existindo ainda 1.156 ilhas com 13.510 casas e 45.243 habitantes. Apenas 825 daquelas 13.510 casas estavam ligadas à rede de esgotos. Um outro estudo publicado no “Boletim de Higiene e Sanidade Municipal” apontava para a necessidade da construção plurifamiliar: 20.000 habitações em 12 anos… Se em 50 anos (entre 1880 e 1930) tinham sido construídas no Porto apenas 412 habitações de iniciativa pública (312 pela Câmara e 100 pelo governo), o regime fascista agravou o problema: entre 1940 e 1956 só foram construídos 1.094 habitações novas nas freguesias periféricas da cidade e mais 6.072 entre 1956 e 1966 (Plano de Melhoramentos). De 1967 a 1974 as novas construções não chegaram a duas mil. Sempre longe, muito longe do número de habitações necessárias.
A partir de 2002, ainda foi pior: até o Programa Especial de Realojamento (PER) assinado em Julho de 1994 com o objetivo de erradicar as barracas existentes na cidade foi interrompido: das 1.356 casas contratualizadas, 382 (as previstas para a zona central da cidade) não foram construídas. As habitações que faziam tanta falta foram trocadas por dinheiro. E com as posteriores demolições ditadas pela especulação imobiliária, o parque habitacional do município encolheu mais de 1.000 fogos. E o Porto passou a ser a cidade onde os jovens casais não têm acesso à habitação, a cidade dos que são forçados a partir…
2 - O que é a habitação social? Por habitação social deve entender-se aquela que foi promovida com o apoio financeiro do Estado, nomeadamente pelos municípios (Portaria 828/88 de 29/12) e não a habitação para as populações mais pobres. Hoje, a habitação social ou pública desempenha nos países da U.E. um papel moderador do valor das rendas habitacionais e também de favorecer a mistura social.
E se em Portugal o parque público de habitação social (à volta de 120.000 fogos) representa apenas 3% do total de alojamentos familiares, na Holanda o alojamento social representa 32% do total do parque habitacional, na Áustria é 23%, na Dinamarca 19%, no Reino Unido e na Suécia é 18%, na França 17% e na Finlândia 16% (cfr. Logement social européen 2012).
Na sua proposta de “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto” a coligação de direita insiste na natureza precária da ocupação dos fogos e no caráter transitório da habitação social. São 2 princípios orientadores herdados do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e que não têm hoje qualquer base constitucional ou legal: aliás, a partir do Decreto-Lei nº 310/88 de 5 de Setembro os municípios já não podem construir habitação social destinada apenas ao alojamento provisório das famílias, antes tem de ter cariz definitivo.
3 - Perante a falta de habitação digna que afeta dramaticamente milhares de pessoas na cidade do Porto, e tendo também em conta o quadro de emergência social vivido na cidade, o grupo municipal do BE apresentou na Assembleia Municipal de 3 de Junho as seguintes Recomendações à Câmara Municipal do Porto:
- a) que disponibilize mais alojamentos de arrendamento social, através da recuperação para fins habitacionais dos prédios propriedade do município;
- b) suspensão dos despejos de moradores municipais sempre que decorram de carência económica e enquanto vigorar o chamado PAEF (programa de assistência económica e financeira);
- c) que na determinação do montante da renda sejam consideradas as despesas com medicamentos e doenças crónicas;
- d) isentar os arrendatários de casas camarárias com mais de 65 anos da obrigação de entrega de documentos comprovativos do seu rendimento;
- e) que nos procedimentos conducentes a despejos administrativos seja sempre obtido o parecer da respetiva Junta de Freguesia;
- f) criação nos bairros municipais de centros de animação sócio-cultural com equipamentos de ginásio, fisioterapia, biblioteca, computador e artes oficinais;
O PS (20 votos) absteve-se quanto à “b)-suspensão dos despejos…” e votou contra “d)-isentar os arrendatários com mais de 65 anos da obrigação de”. Com ligeiras alterações foram aprovados as a), e) e f).
José Machado Castro – membro da Assembleia Municipal do Porto