De: José Machado de Castro - "Revisitando a criação da SRU Porto Vivo…"

Submetido por taf em Domingo, 2013-06-02 01:42

Nos últimos dias, a propósito da recusa pelo IHRU da reposição do capital da SRU Porto Vivo, muito se tem falado da reabilitação urbana. E o tema é absolutamente decisivo para o renascimento das cidades, conforme salienta a Declaração de Leipzig, um dos poucos documentos da União Europeia sobre urbanismo. Mas para além da decisão (erradíssima) da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT) de não atribuir nem mais um euro à reabilitação urbana e de deixar de participar no capital social de 3 SRU’s (Porto, Coimbra e Viseu), tem todo o sentido revisitar a criação em 2004 da SRU Porto Vivo.

Comecemos pelo princípio: foi com base em legislação emanada dum governo de Durão Barroso (e não da Assembleia da República) – Decreto-Lei n.º 104/2004 de 7 de Maio - que foi submetida à apreciação da Assembleia Municipal do Porto em 11 de Outubro de 2004 a proposta da Câmara para a constituição duma SRU. Mas apesar dos estatutos da SRU Porto Vivo apresentarem à partida desconformidades com a lei habilitante (o referido Decreto-Lei n.º 104/2004) tal situação não mereceu qualquer atenção por parte de partidos representados naquele órgão autárquico. O objeto social da SRU (reconversão do património…) distanciava-se da reabilitação urbana definida no texto da lei: “processo de transformação do solo urbanizado, compreendendo a execução de obras de construção, reconstrução … conservando o seu carácter fundamental (sublinhado nosso). Ora, reabilitação urbana não é igual a recuperação urbana, nem a renovação urbana, nem a reconversão do edificado (conforme “Vocabulário Urbanístico” – edição da DGOTDU, 1994). A discussão, e foi forte, apenas se situou no modelo societário: somente com financiamento municipal (empresa municipal) defendido pela CDU ou com financiamento maioritariamente municipal, como defendeu o PS. A inscrição nos estatutos dum “acordo parassocial” pelo qual o INH aceitava ver reduzida, dentro de 3 anos, a sua participação no capital social para menos de 50%, “desde que o município do Porto assim o pretenda”, levou o PS a votar favoravelmente a constituição da SRU na sessão de 25 de Outubro. Para o BE a reabilitação urbana numa cidade, como a do Porto, em que numa área de intervenção de 1.000 hectares e 18.000 edifícios (mais de 60% construídos antes de 1945), havia 10.000 alojamentos devolutos em 47.000, numa situação destas, a reabilitação urbana tem que ter também financiamento nacional. Daí que em 2004, como hoje, a discordância do BE quanto à SRU Porto Vivo não é quanto à participação financeira do Estado (que julgamos imprescindível) mas quanto às finalidades estatutárias e à sua concretização. O BE também propôs que no Conselho Consultivo estivessem representantes de inquilinos, comerciantes, proprietários e da Ordem dos Arquitectos, mas 30 votos contra (PSD e CDS/PP) e 23 abstenções (PS e CDU) inviabilizaram quaisquer alterações aos Estatutos da SRU Porto Vivo.

O que se passou a seguir é uma história triste, deplorável: o IHRU (ex-INH) participou em 60% (3,6 milhões de euros em dinheiro) no capital social e a Câmara do Porto entregou metade da sua participação (de 2,4 milhões) em espécie (9 edifícios pertencentes à cidade, 7 na freguesia da Sé, 1 em Miragaia e outro em S. Nicolau). Destes 9 prédios apenas um foi reabilitado diretamente pela SRU, o da rua das Flores n.º 150. Todos os demais edifícios desapareceram na voragem imobiliária. O IHRU repôs a sua parte no capital social perdido: 1,5 milhões em 2006, 1 milhão em 2007 e em 2009, perfazendo 3,56 milhões de euros. Os valores de 2010 e 2011 (2,4 milhões de euros) não foram até agora repostos pelo IHRU, a história é conhecida.

Quanto à SRU Porto Vivo deixo apenas duas interrogações finais: para que serviram os poderes excepcionais de expropriação e licenciamento que lhe foram atribuídos? E porque é que assumiu a qualidade de entidade gestora do Centro Histórico do Porto (cuja existência a Unesco sempre exige às cidades património mundial da humanidade), quando essa função nunca existiu nos estatutos da SRU Porto Vivo?

José Machado de Castro – membro da Assembleia Municipal do Porto (BE)