De: José Machado de Castro - "Leis da RATA querem destruir o poder local"
Com data de 2 de Novembro, foi elaborada pela chamada Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT) uma proposta que aponta para a redução de 8 freguesias da cidade do Porto.
Começando pela questão da forma, que neste caso até é muito importante: tal proposta é politicamente ilegítima e desrespeita a população da cidade, já que nas últimas eleições a matéria da redução de freguesias não constou de qualquer dos programas partidários submetidos a sufrágio. Também foi desrespeitada a “Carta Europeia de Autonomia Local” assinada a 15 de Outubro de 1985 e que prevê no seu artigo 5º que as alterações dos limites territoriais locais devem ser objeto de consulta “eventualmente por via de referendo”. Todas as iniciativas das populações e do Bloco de Esquerda tendentes à participação e consulta dos cidadãos nesta matéria através de Referendos Locais foram rejeitadas pelos partidos políticos que suportam o governo.
E quanto ao conteúdo? Desde 1916, quando pela Lei nº 621 a junta de paróquia passou a designar-se por “Junta da Freguesia”, muito mudou no país: alterou-se a distribuição territorial das populações, cresceram os equipamentos, aumentaram as prestações de serviço social das autarquias aos residentes. Impunham-se, por isso, alterações legislativas quanto ao reforço das competências e recursos financeiros das freguesias, à melhoria da participação pública, ao aprofundamento da democracia local, a concretização da Regionalização e uma organização da administração territorial mais adequada às exigências cívicas do nosso tempo.
Mas a nova lei da RATA não quer adequar a organização autárquica ou melhorar a resposta das freguesias às novas exigências da cidadania. Não, o que esta lei pretende é centralizar o poder através da redução, “por agregação, de um número significativo de freguesias”, mais de 1.000 em todo o país, principalmente na região Norte. E diminuir as competências das autarquias, enfraquecer a participação popular nos órgãos autárquicos, acabar com a principal vantagem das freguesias, a proximidade com as populações.
A proposta de redução de 8 freguesias fará regressar a cidade a 1836, quando o Porto (então com 50.000 habitantes) tinha apenas 7 freguesias. Mais, a proposta de 8 freguesias atenta contra a memória da cidade ao eliminar as que constituem o Centro Histórico. Lembremos que antes do séc. XVI havia apenas uma freguesia no Porto: a da Sé. Posteriormente foram criadas mais duas, Vitória e S. Nicolau que, em conjunto, passaram a representar mais de metade da população da cidade. E à medida que o Porto ganhou maior importância económica e mais população (30.000 habitantes em 1732) foram criadas novas freguesias. Com o Decreto de 26/11/1836 foram acrescentadas as de Lordelo, Campanhã e Foz. E Nevogilde, Ramalde e Aldoar em 1895. Agora, com esta decisão da UTRAT, ou seja, 8 funcionários do governo, sentados em Lisboa, violenta-se a história do Porto, risca-se grande parte do núcleo habitacional donde houve nome Portugal.
Ao estabelecer um mínimo de 20.000 habitantes nas freguesias urbanas, a RATA introduz um fator de gravíssima perturbação na estrutura administrativa do território, já que mais de 170 municípios têm hoje menos de 20.000 residentes. E porquê 20.000 habitantes? Onde é que o legislador (leia-se “escritório de advogados amigos dum membro do governo”) foi buscar este número? Não há qualquer racionalidade técnica ou científica ou administrativa ou política neste mínimo. Há estudos de entidades credíveis, como o Conselho da Europa (“La taille des comunnes, l’efficacité et la participation des citoyens”) que, debruçando-se sobre a dimensão mínima dos municípios que garanta a sustentabilidade dos serviços prestados, aponta para 5.000 a 6.000 habitantes nos diversos países europeus. Os estudos não se referem a freguesias, já que tal entidade territorial não existe na Europa continental, mas pode concluir-se pela absoluta falta de fundamentação técnico-política na exigência dum mínimo de 20.000 habitantes nas freguesias urbanas.
Dizem os partidos que aprovaram a lei da RATA que vão ser dadas mais competências e mais meios às freguesias. Veja-se então a recente Proposta de Lei do governo nº 104/XII: “emissão de parecer sobre a toponímia, conservação dos abrigos de passageiros ou o licenciamento de arrumadores de automóveis”, (nº 3 do artº 16º - pág. 26) eis as grandes novas competências das freguesias…
O que está em marcha é um processo de centralização do poder, de diminuição do número de eleitos nas autarquias. E quando um governo desrespeita a vontade popular e os órgãos autárquicos, todas e todos somos chamados a tomar posição, a não deixar destruir o poder local.
José Machado de Castro – membro da Assembleia Municipal do Porto