De: Augusto Küttner de Magalhães - "O que já foi a indústria no Porto, o que pode vir a ser o País"
Olho pela janela e vejo o que antes foi a denominada zona industrial do Porto, hoje um espaço com muitos espaços abandonados, com armazéns, alguns cheios de nada, com imensos stands de automóveis - sem automóveis ou com poucos, ninguém compra! - e garagens. Um espaço das farmácias - grande! -, um instituto, e ainda uma empresa que transforma açúcar e outra café. Indústria, verdadeira, acabou, morreu. E comércio e serviços, em tempo de dificuldades, têm pequena representatividade. Antes, 40 anos atrás, aqui no Porto, nesta dita zona industrial havia de facto indústria. Mas havia também indústria por toda a parte da cidade do Porto. Têxteis, por exemplo, várias fabricas na maior avenida do Porto, na Avenida da Boavista. Em Ramalde, mais outras em Paranhos, em Lordelo. Hoje, nem uma. Tudo, em princípio, saiu do Porto para se instalar nos arredores, para o Porto crescer e vingar como cidade, com urbanismo, serviços e turismo.
Mas a indústria que foi saindo do Porto ficou-se entre este e o Vale do Ave, mas depois foi para o Oriente, e está na China. Claro que ainda por cá temos qualquer coisa, mas muito, mesmo muito pouco. Claro que perto de Famalicão ainda temos uma excelente fábrica de pneus e temos perto de Felgueiras e Guimarães sapatos e em S. João da Madeira, mas é muito pouco, deveríamos ter mais. Claro que - já percebemos - fomos o único País europeu que passou da agricultura para os serviços, sem ter tido uma verdadeira indústria. É um facto. E foi mau, hoje estamos a sofrer com isso. O que cria a riqueza é a indústria e nós pouca tivemos e a que tivemos foi mal estruturada e deixámo-la ir-se, para a China, claro.
E não vale ter saudades de um tempo de Salazar - rima com saudade, e fado e futebol... - que terá sido um homem que levou uma vida muito poupada, único exemplo a dar aos nossos políticos de hoje, que utilizam tudo e mais alguma coisa à custa do Estado. Automóveis, casas, cartões de crédito, jantares, almoços, o homem, o Salazar não fazia isso. E até pôs as contas do Estado em dia, mas foi pouco, ficámos com as contas em dia e com ouro em cofres do Estado. Mas não soubemos criar riqueza, criar indústria verdadeira, que nos fizesse crescer e ser um espaço de conforto e futuro. E andámos isolados, solitários, voltados para dentro. E quando já não havia como manter um Estado assim, abrimo-nos ao exterior aos trambolhões, e desorganizámo-nos ainda mais. E nunca, nunca, conseguimos criar bases sólidas, para ter um tempo mais certo quando tudo se nos torna incerto.
Olhando pela janela, vejo - uma vez mais - o que deveria ser a Zona Industrial do Porto, vê-se que não é! Está bordejada de prédios e mais prédios, em ruas desalinhadas. Nem nisso tivemos cuidado, em urbanizar bem, foi-se sempre urbanizando conforme jeito foi dando, e não como deveria ser. Um grande e bom supermercado. Útil sem dúvida! E hoje no País - não é privilégio do Porto, de forma alguma - temos infraestruturas para 30 milhões de habitantes, graças a esta desorganização, e somos 10 milhões, tendendo se nada de contrário for feito a ficarmos 7 milhões. Desperdiçámos espaço para 23 milhões, e dinheiro, e bens, que podiam ser bem aproveitados nos 10 milhões!
Tudo perdido? talvez, não se arrepiarmos caminho, se não assumirmos que todos, todos, errámos, até o Salazar. E - até, até - em democracia foram tantos os disparates que cometemos, mas em democracia temos de ser melhores. Construindo, refazendo, produzindo. E num tempo tao difícil, podemos agarrar uma vez mais na agricultura, no mar, e porque não em indústrias? Podemos, devemos, temos de ser agricultores, industriais, e ter também turismo, e hotéis, e lojas, e Cultura! Mas com parcimónia, com tino. Sem a mania das grandezas, e sem a classe política se achar uma classe que "tem de ser privilegiada" se não faz mal o seu trabalho. Dado que a classe política continua a ser privilegiada e continua, de facto a fazer tão mal o seu trabalho. E precisamos de zonas industriais, de zonas agrícolas, de cidades, de Cultura, precisamos de reocupar o interior, de fazer. fazer, fazer. E dar o exemplo de que vamos conseguir, com mais educação, instrução, respeito, cultura, menos estabilidade de políticos, mas mais estabilidade de políticas e mais bom senso. E teremos a Zona Industrial com indústria, a agrícola com agricultura, a turística com turismo, a de serviços com serviços e a de Cultura, cultural! E a política no seu lugar, que não é o centro de tudo!