De: Pedro Figueiredo - "Mulheres e homens que dormem ao frio nas ruas do Porto"
Na Avenida dos Aliados, esta pessoa dorme abrigada numa caixa multibanco (a ”ironia” é que dorme num edifício que é de um banco). No largo Tito Fontes (ao JN), “restos” de coisas, pertença de outra pessoa que deve deambular por ali. Duas pessoas a dormir “abrigadas” nos recuados de acesso às habitações da Rua Júlio Dinis. A seguir mais duas pessoas a dormir também abrigadas, mas na arcada do prédio da Praça da Galiza… Por fim, alguém que vive dentro de uma tenda debaixo do viaduto que é a Rua Domingos Sequeira (entroncamento com a Rua 5 de Outubro)… No mesmo dia e sem grande esforço, quem ande pela cidade a pé é impossível não reparar que a miséria à vista nesta cidade não é “só” a miséria dos edifícios. Só é miséria nos edifícios porque antes existe a miséria humana.
Talvez passemos demasiado tempo a falar da reabilitação urbana esquecendo que a reabilitação humana esteja primeiro (?). Talvez ainda sejamos mais “do betão” e menos da “humanidade”. E talvez fosse de começar pelo humanismo e depois sim, e por causa deste, consigamos chegar ao “betão”. Em pequeno - tinha 5 anos em 1980 – atravessava de mão dada com o meu pai pelo interior do Mercado do Bolhão para chegar da Formosa a Fernandes Tomás. Chegando a Santa Catarina havia sempre ceguinhos ou aleijadinhos a pedir, cantar… Metiam-me “impressão” (“- Pai, aquele senhor não tem casa?” “- Pai, o Jesus quer que a gente dê tudo o que tem para os pobres?"). Hoje ainda há um casal de cegos no cruzamento entre a Formosa a Santa Catarina.
Neste ano da graça de 2012, os bancos não dão crédito para compra de casa (uma saída que se fecha), o governo faz uma lei que aumenta as rendas e promove despejos (outra saída que se fecha, o arrendamento). A CMP prepara-se para aprovar um novo regulamento de habitação social praticamente Salazarista, que restringe o acesso e degrada as condições de acesso a esta (ainda outra via que se fecha)… Via rendimento, não há acesso a empregos públicos (porque é assim determinado, outra via que se fecha), não há emprego no sector privado (por causa da “crise” em si – outra via que se fecha)… Quem ainda trabalha paga mais impostos e diminui os seus rendimentos (outra via que se fecha)… Resumindo: “os da Rua esperam por nós!”… É sabido que quem calha na Rua, calha pelo cruzamento simultâneo do fecho de várias saídas (divórcio + desemprego simultâneos, p. ex.)… Há ainda quem ainda defenda todas as austeridades como saída ou inevitabilidade, era bom que andasse pé pelas ruas desta cidade. Os meus pais acolheram há cerca de dois anos em casa um jovem que ainda lá vive no meu ex-quarto. Ele tinha trabalho e tudo, mas naquela altura e por vários “azares” simultâneos “aquela” seria a sua primeira noite fora… (Não chegou a ser, afinal.) ”Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
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