De: F. Rocha Antunes - "Fazer mercado"

Submetido por taf em Sexta, 2006-09-15 17:54

Meus Caros

Hoje venho falar de um assunto que não sendo exclusivo da Baixa tem também muito a ver com a Baixa. Aviso já que pode ser ligeiramente maçador mas nem tudo tem de ser engraçado para ser verdade ou importante.

Venho falar da importância prática de termos todos regras de mercado. E de todos contribuirmos para que o mercado, que é a soma de milhares de mercados específicos, exista. O que gostaria de realçar hoje é a parte que depende de nós nisso, que é imensa.

Não vale a pena estar aqui a explicar as vantagens para todos de mercados eficientes. São pacificamente reconhecidas, desde a recompensa da criatividade, da inovação e da persistência, para não falar de tantas outras coisas que dependem disso. Em Portugal gostamos muito de pensar que vivemos em economia de mercado quando na maioria das vezes apenas vivemos numa economia não planificada, mas que não utiliza como deve ser as regras de uma economia de mercado.

O que queria que pensassem era sobre aquilo que depende de cada um de nós: a utilização de práticas de mercado enquanto adquirente de produtos ou serviços.

Muitas vezes por economia de esforço (um eufemismo para preguiça) recorremos a quem temos a ideia que serve para nos vender um produto ou serviço sem nos preocuparmos muito se essa é a melhor escolha circunstancial que podemos fazer. E, o que é mais estranho, colaboramos todos activamente para evitarmos recorrer ao mercado, não vá aparecer alguém com uma proposta melhor. Se quem está a tentar vender um produto tem razões para evitar uma eventual concorrência, quem está a comprar deveria ter o interesse oposto. Contudo, a maioria de nós, enquanto compradores, prescinde magnanimamente dessa obrigação com consequências que são importantes para a eficiência da economia.

Lembrei-me disto ao ler a notícia de que a Câmara do Porto assinou um protocolo com a Universidade do Porto para que a Faculdade de Economia faça o acompanhamento técnico da gestão camarária em alguns aspectos dessa gestão.

Não questiono, como é evidente, a qualidade do trabalho que, potencialmente, a Faculdade de Economia vai fazer. Mas já questiono a bondade desta medida para os principais clientes da Faculdade da Economia, que são os seus alunos, entre os quais se inclui o actual presidente da Câmara. De cada vez que a Faculdade de Economia for contratada, ainda por cima sem concorrência, para fazer este tipo de trabalhos, os seus antigos alunos, os economistas, vêm o seu mercado de prestação de serviços reduzido. Não duvido da boa intenção dos envolvidos, mas se repararem bem é a soma de todas estas excepções, que alastram com uma normalidade assustadora, que diminui em muito o mercado de trabalho de tantas empresas e profissionais liberais. E que faz com que a ideia de que o Porto é um mercado pequeno e estreito seja verdade.

É importante que as excepções sejam reduzidas a isso mesmo, a condições excepcionais. E que a regra seja a de recorrer ao mercado aberto. Não há nada como o funcionamento da concorrência e de um mercado aberto para que uma economia funcione bem.

Há muitas pessoas que, teoricamente, estão de acordo com isto. Mas infelizmente há muito poucas que, na prática, actuem de acordo com o que acham. Porque dá mais trabalho, porque se vão buscar vantagens laterais que não deviam influenciar o negócio ou porque se quer agradar a alguém.

Como qualquer professor ou aluno da Faculdade de Economia vos poderia explicar melhor que eu, está mais que provado que é um erro que se paga muito caro. Pena que aceitem ser mais um das excepções que são a regra da nossa região e País.

Francisco Rocha Antunes
Promotor Imobiliário

PS. A minha empresa está cheia de trabalho conquistado em mercado aberto e quem trabalha connosco sabe o que gostamos de recorrer às melhores propostas disponíveis.

Francisco Rocha Antunes
Director-geral
John Neild & Associados
Gestão de Promoção Imobiliária

--
Nota de TAF: Completamente de acordo. Já em 2004 escrevi o seguinte - «Mas o portuense típico também é bem intencionado. Aliás, o português típico é bem intencionado. No entanto, acredita que fins louváveis justificam frequentemente meios “manhosos”. Quando não há um tecido empresarial sólido, tenta fazer através da Universidade aquilo que não fez nas empresas. Por isso inventa institutos, centros de prestação de serviços, pequenos negócios que recorrem à estrutura e principalmente aos recursos humanos da Universidade. O objectivo nem será o lucro pessoal mas a sincera vontade de fazer progredir a sua região, na esperança de que mais tarde haja “spin-offs” que vinguem no mercado. Contudo, não percebe que dessa forma está quase sempre a fazer concorrência desleal às empresas que tentam conquistar espaço sem a “muleta” da Universidade. E afinal mata à partida aquilo que tenta promover por meios errados.»