De: José Machado de Castro - "Privatização da ANA: um assalto ao Aeroporto do Porto"

Submetido por taf em Quinta, 2012-09-06 14:46

1 - “Temos a responsabilidade de proteger o investimento dos nossos accionistas”, foi a justificação apresentada pela Ferrovial na sua impugnação judicial à decisão da Autoridade de Concorrência britânica que a forçou vender mais dois dos seis aeroportos do Reino Unido que ainda controlava (Heathrow e Stansted, Glasgow e Aberdeen, Edimburgo e Southampton), por falta de investimento em segurança e equipamentos aeroportuários. Esta decisão da Comissão (Autoridade) de Concorrência do Reino Unido, segue-se à anterior ordem de venda do aeroporto londrino de Gatwick, já concretizada em 2009. Esta nota introdutória vem a propósito da privatização da ANA decidida pelo governo PSD/CDS-PP. A concretizar-se a venda da entidade pública gestora dos aeroportos portugueses, condena-se todo o sistema aeroportuário nacional, e mais em concreto o Aeroporto do Porto, a um papel irrelevante.

Sendo a Ferrovial uma das concorrentes à aquisição da ANA, e sendo certo que qualquer que seja a empresa vencedora da privatização os resultados não serão muito diferentes, convém ter em conta as experiências muito negativas de outras operações de privatização de aeroportos. O caso inglês é muito elucidativo. A Ferrovial, grupo espanhol presidido por Rafael del Pino, adquiriu em 2006 a BAA (British Airway Authority) entidade gestora dos aeroportos britânicos. A Ferrovial foi entretanto forçada pela Comissão de Concorrência a encerrar alguns lojas do aeroporto de Heathrow, porque o crescimento desmesurado da área comercial começou a pôr em causa a segurança aero-portuária. E em Maio último vendeu o aeroporto de Edimburgo (Escócia) à mesma empresa (Global Infrastructure Partners) que detém a gestão de Gatwick. Em 17 de Agosto último, foi anunciada a venda de 10% da BAA à Qatar Holding… Pois é, quando se privatiza a gestão dos aeroportos é a lógica do lucro dos acionistas que passa a comandar.

É sabido que PS, PSD e CDS/PP foram propor à sua querida troika a privatização da ANA. Tal operação não tem qualquer racionalidade económica, financeira ou social. A ANA Aeroportos de Portugal, com sucessivos resultados positivos, tem vindo a transferir todos os anos umas dezenas de milhões de euros para o Orçamento do Estado, investiu 500 milhões de euros nos obras bem sucedidas do aeroporto do Porto, cobre o défice de exploração de aeroportos como o de Santa Maria nos Açores. Mas o fanatismo ideológico dos partidos da troika suplanta o interesse público nacional e regional.

2 - “Subordinação da gestão do Aeroporto do Porto à lógica do mercado local”, reclamava a Junta Metropolitana do Porto na sua carta de 8 de Outubro de 2008 dirigida ao então primeiro-ministro. Em vez de oposição firme à privatização da ANA, como se impunha, em vez de reivindicar a sua participação na gestão do Aeroporto FSC, a Junta Metropolitana do Porto escolheu antes tentar obter alguns despojos do desmantelamento da ANA, migalhas dum banquete…

A experiência francesa quanto à gestão pelo chamado “mercado local” é muito significativa: desde 1933 que a gestão dos grandes aeroportos regionais estava entregue às Câmaras de Comércio e Indústria. Mas esses aeroportos, orientados pela lógica dos mercados locais, acumularam défices brutais de exploração. Em consequência, com as mudanças legislativas de 2005 passaram a ser dirigidas por “sociedades aeroportuárias” em que a participação do Estado é sempre superior a 70% (cfr. Relatório do Tribunal de Contas francês - pág. 170 e ss).

Daí a questão: nos dias de hoje, qual o sentido da reivindicação duma gestão autónoma (stand alone)? Ou será antes mais um equívoco das organizações distritais do Porto dos partidos da troika? Entregar o Aeroporto do Porto a uma qualquer Ferrovial ou MAp* (mesmo que sob a cobertura duma associação empresarial ou com grupos económicos da região Norte) será certamente um grande negócio para certas empresas. Mas num momento em que é tão necessário aproveitar as potencialidades regionais de desenvolvimento, a privatização deste formidável ativo estratégico constitui um assalto ao Porto e à região Norte.

José Machado de Castro – deputado metropolitano do Porto pelo BE

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* A MAp (MapAirports, australiana) é uma das fortes concorrentes (já anunciadas na imprensa, jornal Expresso por exemplo) à privatização da ANA, para além da Ferrovial. Já detém 4 aeroportos: Sydney, Bruxelas, Copenhaga e Bristol, o primeiro e o último vendidos curiosamente pela Ferrovial. Anteriormente chamava-se Macquarie Airports e, embora seja conhecida por MAp, há meia dúzia de meses mudou outra vez de nome, agora para Sydney Airport. Uma visita a www.mapairports.com.au pode ser interessante para "entender" este mundo em que também entra um Fundo de Pensões de professores do Canadá (Ontário).