De: Joaquim Pinto da Silva - "Filipe Menezes, o Grande Porto e as suas travessias e travessuras"
Para o Carlos Romão, na estima e admiração pelo seu contributo à defesa do Porto, do Norte e do país através de: A Cidade Surpreendente e A Cidade Deprimente.
Antes de abordar o assunto com a profundidade que ele merece, mas pela urgência de se ouvirem vozes diferentes, gostaria desde já de dar a minha opinião aos cidadãos do Porto / Gaia / Matosinhos sobre duas coisas que Filipe Menezes disse acerca do futuro do Grande Porto.
A primeira e a mais importante: a fusão de Gaia Porto e, eventualmente Matosinhos (e, porque não, Gondomar?), não deve fazer-se para sermos maiores que Lisboa e a primeira cidade do país. O ser primeiro ou maior não devia entrar na política de progresso e solidária que queremos para Portugal, nem a mim me motiva (isto não é futebol). Regiões e cidades houve e há em Portugal que proclamam querer ser as primeiras, a “mais” nisto e naquilo. Melhorar, crescer, desenvolver-se não implica ultrapassagens de ninguém. Quero para o Porto o melhor do presente e do futuro e isso não passa por ser maior do que quem quer que seja, mas antes pela qualidade de vida dos seus cidadãos, e a gestão, com a região e em coordenação com o país, do seu património e qualidades. Quem me dera que o Norte fosse o “menos” em Portugal desde que os seus habitantes tivessem uma vida cultural e economicamente rica. Parece de somenos isto, mas não é. Todos os que começaram assim acabaram como Ministros e Secretários de Estado em Lisboa despedidos e enxovalhados pelo centralismo, após traírem sem vergonha os que inicialmente neles acreditaram.
A segunda prende-se com as pontes. Ele promete 3 e um túnel. Em geral penso que qualquer ponte, a ser feita nesta altura, tem de reger-se por um principal critério que é: em que medida concorre para o desenvolvimento económico da cidade e da região. Fazer pontes sob a capa da comodidade que oferece no acesso a zonas de lazer (praias) ou que apenas incentivam o já superpovoado sector da restauração parece-me encobrir (tal como o TGV transmutado em “mercadorias” de Sines ou o novo aeroporto de Lisboa) um incentivo ao sector da construção civil, isto é, a um sector culpado do real atraso do país, quer pelo trabalho indiferenciado/escravizante que promove quer pelo lucro fácil que alimentou transferências “offshores” conhecidas. Para além disso, facilitaria ainda o assalto construtivo às poucas zonas verdes das encostas do Douro intercidades e às zonas das praias já a abarrotar, com óbvio prejuízo das populações visitantes e das que ali habitam.
De qualquer forma, uma das travessias a “construir”, o túnel entre Lavadores e a Cantareira / Passeio Alegre, seria absolutamente um crime ecológico e cultural a fazer-se. Estas zonas não necessitam de mais automóveis, mas antes de os retirar ao máximo dali. A falsa ideia democrática de dar “acesso a todos” levar-nos-ia a liquidar a própria natureza da procura, ou seja, de retirar às zonas os seus atractivos… os que restam. Tenho para mim como verdade que o habitante pobre de Gaia ou do Porto e que quer ter acesso fácil às praias e ao mar prefere de longe ver essas zonas com o mínimo de carros possível, até porque chega ali de transportes. Necessitamos de olhar para o que se constrói em termos de qualidade de vida, de elevação cultural e e de comportamento das pessoas. O nosso modelo não pode ser a desenfreada construção de equipamentos (esplanadas por exemplo) e acessos próprios às zonas que, em poucos anos, serão abandonadas por habitantes e forasteiros. Uma visão cultural e solidária tem de prevalecer sobre o despeito saloio encoberto de anticentralista e o novo-riquismo exibicionista.
Eu prefiro uma Ribeira/Barredo enfim restaurada e de vida digna para os seus habitantes que qualquer ponte mais sobre o nosso Douro… e custaria menos.
Com um abraço.
Joaquim Pinto da Silva