De: Carlos Romão - "Centralismo, a quanto obrigas..."

Submetido por taf em Terça, 2012-06-26 00:10

Quando estava em discussão a instalação do Centro Português de Fotografia, a voz de Fernando Rosas distinguiu-se entre as que se manifestaram contra a decisão daquela instituição ficar no Porto, com um argumento disparatado que ilustra bem o conceito que certas elites lisboetas têm do país. Elites apoiadas por muitos migrantes da região Norte e por inúmeros capatazes cá residentes, que disputam com afinco o el-dorado da capital, deixando tanto a maioria do povo daquela cidade à míngua como o resto do país.

Lamentava-se o historiador por ter que se deslocar ao Porto sempre que quisesse consultar o arquivo fotográfico nacional. Como se o país real, como é designado o território que fica fora do espaço compreendido entre a Praça do Comércio e a CREL, não tivesse que pedir licença a Lisboa para coisas tão comezinhas como, por exemplo, realizar um transporte de grandes dimensões entre uma metalomecânica localizada em Gaia e a Póvoa de Varzim. O resultado desta prática, que tem vindo a piorar de há trinta anos para cá, está à vista: um território desertificado, empobrecido, onde, apesar de tudo, ainda restam valores que o centralismo político-partidário continua a querer para si. Refiro-me, neste caso, outros poderiam ser citados, ao património ferroviário. Viajamos em composições que Lisboa já não quer, fecham-nos as linhas de caminho-de-ferro – o caso do Douro é um crime que lesa toda a região Norte – inundam-nos os vales com água para servir interesses corporativos que prejudicam as populações locais, como no Tua, e levam-nos agora o património histórico ferroviário para outras paragens, privando-nos da nossa própria memória.

Vem isto a propósito de uma carta aberta que recebi - já enviada por António Alves para A Baixa do Porto - assinada por um grupo de ferroviários aposentados, mas não inertes, onde constam nomes que estiveram na direcção da CP no Norte do país quando nesta região havia autonomia ferroviária, manifestando-se contra o esbulho patrimonial de relíquias ferroviárias regionais. As fotos, que estão publicadas n’A Cidade Deprimente, mostram-nos a «Andorinha», que é não apenas a mais antiga locomotiva existente em Portugal, mas também na Península Ibérica, e o belo edifício da cocheira de Nine, em Famalicão. Em Nine, como diz a carta aberta, encontram-se ainda «a carruagem A3 52, de 1a cl, construída em França pela Desouches David em 1886; o Salão-Pagador "CP 5194-8929004",reconstruido nas Of. Gerais da CRP em 1908; a locomotiva a vapor "CP 9", construída em Inglaterra em 1875, pela Beyer & Peacock; a locomotiva a vapor "CP 014", adquirida em 1890 à inglesa Beyer Peacock; e a locomotiva a vapor "CPOO2", construída na Alemanha pala SaechMaschinenfabrik, em 1881.»

Cocheira - Nine, Famalicão

Andorinha