De: Ricardo Fernandes - "Ruas sem carros"

Submetido por taf em Sexta, 2012-05-18 03:07

A propósito do projecto que tem em vista a alteração da Rua das Flores para uma rua pedonal suscita-me a dúvida da pertinência deste tipo de pensamento de que, de forma unívoca, o corte de trânsito é necessariamente uma mais valia. Obviamente que não nego o carácter lesivo do automóvel dentro da cidade. No entanto não posso deixar de achar que a questão não pode ser pensada sob um ponto de vista linear. Veja-se Sta. Catarina, Cedofeita, ou mesmo várias ruas de Lyon, que resultam como percursos pedonais dado o cariz dos serviços que as ladeiam. Não obstante, a Rua das Flores pode muito bem tornar-se uma artéria comercial viva e rica, não pode é cair na desregulação que se vê em Miguel Bombarda.

Em jeito de conclusão, não concordando integralmente, cito esta passagem:

“[...]Por outro lado, há o risco de a Rua do Chiado passar a ser exclusivamente reservada a peões, como já o são algumas das ruas da Baixa. Sou contrário a isso porque agrava os problemas do tráfego, e , ao mesmo tempo, torna as ruas mais inseguras durante a noite, provocando a fuga dos habitantes. Basta observar as ruas reservadas a peões na Holanda, por exemplo em Haia, para nos apercebermos deste problema. Prefiro a convivência entre peões e automóveis, que é tão viva em Roma, na multiplicidade dos diálogos e porventura dos insultos. Considero que é indispensável evitar pontos de ruptura na continuidade da cidade. Esta insistência paternalista em reduzir ou eliminar os perigos é contraproducente, porque quando uma pessoa sai de uma rua reservada a peões encontra repentinamente todas aquelas ameaças das quais está menos habituada a defender-se. O peão sabe mover-se na cidade, sem serem necessárias protecções obsessivas, como demonstram os quilómetros de canais em Veneza, sem parapeitos e sem vítimas. A piscina de Leça da Palmeira funciona ilegalmente porque não foram aplicadas algumas medidas de segurança; não obstante, nunca ali se verificou qualquer incidente.”

Álvaro Siza, Imaginar a Evidência, Edições 70, Lisboa, 2000, Pág. 101