De: Alexandra Sepúlveda - "O «Bairro das Artes»"

Submetido por taf em Quarta, 2012-02-29 14:57

Devo confessar que esta mania de chamar “Bairro das Artes” à zona envolvente da Rua de Miguel Bombarda me começa já a fazer uma alergia terrível. É realmente muito gratificante ver o progresso que a Baixa tem vindo a experimentar, recordar o panorama que se vivia há 5 ou 10 anos atrás e, muito facilmente, concluir e até congratular o percurso ecléctico e diversificado que se tem vindo a traçar.

No entanto, este fenómeno não é novo – passou-se em Barcelona, em Viena, em Roterdão... O papel da Cultura e da Arte no desenvolvimento da Cidade e na estimulação da cidadania activa é já mais do que sabido e badalado. Para variar, nós por cá vamos sofrendo o atraso do costume. Mas esse atraso não deveria permitir-nos abordar as questões de uma forma mais conhecedora do que a dos que o fizeram há 20 anos? Não seria de esperar que aprendêssemos com as experiências de outras cidades, agora que até podemos aceder ao impacto a médio, longo prazo no qual esses fenómenos se vieram a traduzir?

Uma das falibilidades da Cidade Criativa, assenta no facto de ¾ dos cidadãos não serem na verdade criativos, ou em não se identificarem como tal. Ou seja, há uma grande maioria da sociedade da Cidade do Porto que não é “artista” nem “criativa”, limitando-se a passivamente usufruir dos frutos da movida recém-adquirida. Ora, esta etiquetização, esta necessidade de "carimbar" a zona em questão com a palavra “Arte” não tenderá a afastar os utilizadores “não-artistas”?

Na zona de Miguel Bombarda galerias de arte convivem harmoniosamente com restaurantes e pensões típicos e antiquíssimos, com comércio mais ou menos tradicional, com espaços multifuncionais, para vários gostos e preços, sem que nenhuma destas actividades oprima qualquer uma das outras. Não é este carácter descontraidamente ecléctico que tem vindo a permitir a interacção enriquecedora entre utilizadores com diferentes origens, estilos de vida, orientações profissionais e poderes de compra? Chamar-lhe “O Bairro das Artes” poderá provocar o afastamento por parte de alguns utilizadores que, não se identificando com a janota etiqueta, começarão a procurar outros ambientes onde, “etiquetas à parte”, se sintam bem-vindos.

Será mesmo necessária esta rotulagem? Sendo que a área de que se trata faz por hastear a bandeira da tolerância, da inclusão e da aberturas de mentes e horizontes, seria de esperar que evitasse cair estes erros de standardização. Pensemos, pois, duas vezes, antes de usar este título.
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Alexandra Sepúlveda Silva