De: Daniel Rodrigues - "Comboio Histórico no Douro"
Felizmente, começa a existir uma boa prática de transparência na administração pública, como por exemplo aqui. Como o povo começa a ser letrado, ter a informação disponível para escrutínio já não deve ser exclusividade dos tribunais de contas, ou inspecções. Pelo contrário, estes organismos podem beneficiar do trabalho voluntário dos "accionistas" à força das empresas públicas para detectar irregularidades. O exemplo que o José Ferraz Alves dá é sintomático, mas certamente ele tem acesso a informação que eu gostava de saber se pode ser disponibilizada. É que o relatório e contas da CP é muito fraco, e não tem detalhes interessantes, como por exemplo o custo associado ao atrelar da carruagem REFER/Bombeiros. As notícias surgem nos jornais nunca se sabe muito bem de onde. Ou seja, foi dito pela CP que há um prejuízo de 60.000€, mas não temos as contas em lado nenhum.
Assumindo e esperando que não há má-fé (a CCDRN deve pôr-se em campo e avaliar), pode ser que o custo do comboio histórico seja de facto demasiado elevado, e nesse caso tem de ser encontrada uma solução diferente. O José salientou e bem: há potencialidades, mas os custos associados a esse investimento não terão de recair forçosamente sobre a CP. Se quisermos encontrar alternativas, há várias:
- 1. O contributo dos beneficiários deste comboio histórico (operadores turísticos) aumentar.
- 2. Aumentar o preço suportado pelos clientes ( 60.000/2270 = +26€ ).
- 3. Aumentar o período em que o comboio circula (ano passado 23 Julho -> 1 de Outubro).
- 4. Diminuir custos.
Em relação aos pontos 3 e 4, e embora toda a gente, neste momento, esteja irritada com os alemães, encontramos no país da BMW exemplos de comboios a vapor. Não sei se as empresas dão prejuízo, mas o facto é que aqui ficam alguns exemplos de troços e preços:
- Döllnitzbahn : Oschatz - Kemmlitz (~14km): 2,60€.
- Zittauer : Zittau - Jonsdorf (~10km): 9€ / 14€ (ida e volta).
- Fichtelbergbahn: Cranzahl - Kurort Oberwiesenthal (~10km): 7€ / 12€.
Ora bem, vemos que o preço por pessoa para estes comboios é, por quilómetro, mais baixo que o da CP, que é de 45€ para 40km. Adicionalmente, na Alemanha há pacotes ida e volta, pacotes para famílias (2 pais + 2 filhos), o que não é oferecido pela CP, o que pressupõe que a receita por pessoa será ainda mais baixa, mas que provavelmente os custos são cobertos por a) maior oferta (anual) ou b) melhor gestão. A meu ver, os quatro pontos acima referidos seriam melhor resolvidos da seguinte forma:
- a). A linha tem de ser mantida pela REFER e assegurar-se condições de circulação, ponto. Os custos associados a esta manutenção seriam cobertos pela taxa de utilização, e parte dos impostos provenientes das receitas na região (incluindo parte dos proveitos da exploração de barragens do Douro).
- b). A CP vendia esta unidade de negócio a uma empresa independente. Esta teria capital exclusivamente privado, e entre os accionistas podia ter operadores turísticos, e o pressuposto seria ter lucro com as viagens.
- c). A venda do negócio significaria a venda (ou aluguer) do material circulante, e a contratação por parte da empresa do pessoal técnico que tem competência para a gestão destas máquinas.
- d). Com a poupança de 60.000€ por ano, a CP comprometia-se a ajustar os horários dos seus comboios até à Régua por forma a coincidirem com partidas e chegadas dos comboios históricos.
- e). As vantagens deste modelo "neo-liberal" seriam não estar mais subjugado aos interesses da CP, adequar os serviços históricos à utilização turística no Vale do Douro, permitindo mais flexibilidade e imaginação a quem gere o projecto, e sobretudo uma melhor utilização do material circulante disponível. Se a exploração não der lucro, ou não compensar o investimento feito pelos operadores turísticos que beneficiam deste projecto, então não há razão para a manter.
Pensar que a CP vai miraculosamente resolver este assunto, é iludirmo-nos. Pensar que é possível manter este serviço sem que ele dê lucro, ou pelo menos faça um break-even e dê vantagens aos accionistas, igual. O que devíamos estar a fazer a exigir não é intervenção do Estado ou que a CP faça o que uma massa mais ou menos inconsequente de pessoas exige. O que deve ser feito é exigir liberdade na utilização dos recursos (a capacidade da linha), e liberdade para negócios nascerem e executar a visão dos seus accionistas. Que não haja dúvidas que o capital existe: em vez de o retirar à força de quem tem melhor capacidade de decisão, e colocá-lo nas mãos de uma CP que não sabe, manifestamente, gerir, é melhor abrir espaço para que em vez de encontrar "parceiros" (uma forma elegante de partilhar prejuízos), existam "accionistas" (uma forma justa de partilhar lucros).
Cumprimentos,
Daniel Rodrigues
PS: Acabei por me alongar, mas o ponto essencial era: será que alguém pode disponibilizar os relatórios e contas referentes à exploração do comboio histórico do Douro?