De: António Alves - "Gente diferente para pior"
No ano de 2010 a Metro do Porto (MP) transportou 267.064.000 passageiros-quilómetro (PK’s). No mesmo ano a CP Porto (CPprt) transportou 622.767.000 PK’s. A CP Lisboa (CPlx), por seu turno, transportou 1.212.540.000 PK’s. Os custos operacionais destas entidades foram respectivamente de 41,729 milhões de euros para a MP, de 38,244 milhões de euros para a CPprt e 92,477 milhões de euros para a CPlx. Destes números resultam que a MP gastou 0,15 euros por cada PK transportado, a CPprt gastou 0,06 euros por PK transportado e a CPlx 0,08 euros. Salta à vista que as duas unidades de comboios urbanos da CP, de exclusiva gestão pública, onde todos os trabalhadores operacionais são seus funcionários e não “alugados” a um suposto concessionário, fazem uma gestão muito mais eficiente dos seus recursos apesar das supostas “melhores práticas internacionais” da Metro do Porto. Antes que perguntem pelos proveitos, eu respondo já que os preços são ditados administrativamente e é público que o preço pago pelos passageiros do MP é o mais alto do país. Ainda assim são os que no global conseguem obter o maior prejuízo por passageiro transportado. Mas isso deve-se, valha a verdade, a factores financeiros (a dívida acumulada) que para a questão em apreço não interessam.
No passado dia 8 de Novembro, dia de greve dos trabalhadores dos transportes, um conjunto de quadros da MP publicou no Jornal Público uma espécie de manifesto de auto-elogio e de posicionamento anti-greve. Comunicado esse em que não têm qualquer pejo em recorrer a um conjunto de “inverdades”. A primeira delas é a afirmação falsa de que “o Metro do Porto tem o custo por passageiro quilómetro mais baixo em Portugal (13,83 cêntimos)”. Os números acima demonstram que não é verdade. Outra “inverdade” é a afirmação de que nunca existiram greves na MP. É falso! Na MP já ocorreram greves de pessoal operacional e estes vão aderir à próxima greve geral. Existem também Acordos de Empresa ao contrário do que os “quadros” pretendem fazer crer. Querer reduzir o universo da MP aos seus 100 funcionários directos é, no mínimo, tentar tapar o sol com uma peneira de malha muito, mas muito, larga.
Mas vamos agora tentar perceber quem são estes quadros e o que os move. Directamente na Metro do Porto trabalham, como já dissemos, 100 pessoas. 71 delas são quadros técnicos, entre estes, imagine-se, 14 são directores. Afinal não é a CP a que tem mais chefes por trabalhador. A operação da Metro do Porto é, como sabemos, efectuada por uma empresa privada, neste momento não tem frente de obra, não efectua manutenção dos veículos mas, no entanto, segundo a Comissão de Trabalhadores da STCP, tem dois directores de operações e dois de infra-estruturas. O salário médio destas 100 pessoas é de 58 mil euros por ano e ainda um conjunto alargado de “mordomias” (termo muito em voga) como automóveis, combustíveis, etc., para os chamados “quadros”. 58 mil euros anuais é muito mais dinheiro do que aquele que a esmagadora maioria dos trabalhadores das outras empresas de transportes, tão criticados por estes quadros, consegue ganhar num ano. Um maquinista da CP, por exemplo, que trabalhe nos alfa-pendular, mesmo que esteja no topo da carreira precisa de mais de dois anos de trabalho para atingir tão generosa verba. Salário bruto, obviamente, porque o que vai para casa é ainda bastante menos. Este trabalhador desloca-se de carro próprio se o possuir, com gasolina à sua custa, ou então usa o transporte público. Não usa nem nunca usou carro da empresa com gasolina paga. As suas eventuais irmãs solteiras também não andam de borla nos comboios como têm regurgitado alguns papagaios amestrados da nossa triste praça. A unidade de negócios em que ele trabalha, a CP Longo Curso, teve no ano passado 1.437.000 euros de lucro operacional.
Neste momento de crise e de “emagrecimento” percebe-se bem o que move estas pessoas: medo de perder tão confortáveis lugares. Uma empresa neste momento sem obra, e que não faz qualquer gestão operacional não precisa de tantos quadros, principalmente quando se prevê a sua fusão com a STCP. O manifesto foi uma tentativa de agradar ao novo patrão (vulgo graxa da mais desavergonhada) e tentar conseguir passar entre os pingos da grossa chuva que nos está prometida sem se molharem. Foi uma atitude infeliz e lamentável. Confundir isso com honradez é no mínimo hilariante e um insulto para todos os trabalhadores verdadeiramente honrados. Honrado era o meu avô, nascido no Porto em 1899, um dos últimos artesãos desta cidade, “artistas” como se dizia nesse tempo, e descendente de uma velha linhagem de operários urbanos. Homem dos sete ofícios que apesar da vida de dificuldades e privações que foi obrigado a viver nunca dobrou a espinha como esta gente dobra.
Os números avançados neste texto têm como fonte os relatórios e contas das empresas Metro do Porto, S.A. e Comboios de Portugal, E.P.E..
António Alves