De: António Alves - "Gato escondido com o rabo de fora"
O governo, através do chamado “Documento Verde da Reforma da Administração Local”, pretende levar a cabo um conjunto de reformas que na prática se resumem à eliminação economicista de Freguesias, à imposição de executivos monocolores nas Câmaras (acabando com a governação colegial), à atribuição de mais poderes às Câmaras Municipais e às ineficientes Comunidades Intermunicipais (filhas dilectas do actual ministro Miguel Relvas) que mais não são que uma tentativa encapotada de evitar a Regionalização Administrativa do Território.
A justificação económica (poupança) cai pela base à mais leve análise. As juntas de freguesia têm um custo irrisório no conjunto da despesa do Estado: o poder local é responsável por apenas cerca de 8% da despesa pública – uma das percentagens mais baixas da Europa – e por 12% da dívida pública. O descalabro das contas públicas portuguesas está no Estado Central e não nas Autarquias. Isto obviamente não invalida que todo o dinheiro público deva ser gerido parcimoniosamente e que o desperdício e os abusos (empresas municipais, por exemplo) devam ser erradicados. As Câmaras Municipais e as Comunidades Intermunicipais (um órgão não eleito ao qual carece legitimidade democrática para tomar decisões que impliquem com a vida das pessoas) não devem acumular mais poder. As Autarquias são órgãos de poder local e não regional. A solução é cumprir a Constituição da República e instituir a Regionalização Administrativa do território. Instituir governos regionais eleitos democraticamente com legitimidade e meios para coordenarem as autarquias locais e implementarem políticas de desenvolvimento regional. O Estado central será assim ser liberto para aquelas que são as suas funções primordiais: representação, defesa, segurança, justiça, segurança social e governo macroeconómico.
O governo colegial das autarquias, contendo no executivo a própria oposição, não tem sido factor de bloqueio a uma boa governação, antes pelo contrário. Nem esse facto tem sido impeditivo de governos autárquicos fortes e personalizados - o caso da cidade do Porto é um exemplo paradigmático. Os concelhos portugueses, com a excepção de meia dúzia, não possuem massa crítica eleitoral e social para arriscarem governos de pura maioria parlamentar. Atribuir um poder desmesurado a um só partido ou pessoa, tornará as Câmaras Municipais ainda mais permeáveis ao caciquismo autoritário. Esta é uma forma manhosa, a coberto da retórica democrática, de ampliar o feudalismo municipal. Estratégia que serve perfeitamente a manutenção do absurdo sistema centralista que nos desgoverna. O Suserano em Lisboa, magnânimo com os seus vassalos, e os 308 todo-poderosos condes e duques espalhados pelo território governando, sem visão de conjunto regional e nacional, os seus pequenos Coutos. Dividir para reinar.
Embora nos grandes centros urbanos a discussão sobre as funções e o número de freguesias se justifique, no mundo rural e no interior este órgão de base do edifício administrativo português alcança uma dimensão simbólica e utilidade de modo nenhum negligenciáveis. A sua discussão não pode ficar pela mera intenção de reduzir e agregar cegamente. A presença das freguesias no interior rural e despovoado, além de funcionar como vector de transmissão de algum, escasso, dinheiro aos sítios mais recônditos e esquecidos pelo centro, é, ainda, o último elo de ligação ao Estado daquelas populações esquecidas. Exercem uma insubstituível e inestimável função de soberania territorial. As Juntas de Freguesia, em muitas povoações do interior, são as únicas instituições onde ainda é possível ver uma bandeira portuguesa desfraldada ao vento. Isto num país que por uma deliberada ausência de políticas de povoamento e pelo abandono sistemático da Agricultura tem vindo a ver as suas fronteiras produtivas reduzidas a uma estreita faixa litoral. Este é um problema grave que aumenta, e muito, o nosso hiato do PIB. Isto é, a diferença entre aquilo que o país poderia produzir, se todos os seus recursos fossem bem aproveitados, e aquilo que na realidade produz.
Esta reforma é inconstitucional porque vai contra o espírito da lei fundamental. Muito mais importante que a forma da lei plasmada nos códigos é o espírito dessa lei. E esse, apesar da recentemente introduzida obrigação do referendo, determina que a Regionalização deve ser levada a cabo. Atentar contra isso, à socapa, é contrário ao espírito da lei fundamental.
Esta pseudo reforma é gato escondido com rabo de fora. O rabo é a tentativa não assumida de inviabilizar o processo de Regionalização para sempre.
António Alves
Movimento Partido Norte