De: Rui Valente - "O Porto envolto em chamas"
Uma vez tomada a decisão de participar num espaço com as características de "A Baixa do Porto", pouco haverá mais a fazer senão continuar, ou desistir.
Para quem não gosta de ceder pontos à primeira contrariedade, o remédio é prosseguir, contando desde logo com oposições mais ou menos ferozes, mais ou menos partidárias, mais ou menos corporativas. A verdade é que os interesses pessoais, melhor ou pior camuflados, acabam sempre por vir à tona e de se sobreporem aos interesses da cidade com a cínica particularidade da presunção de inevitabilidade do facto. Seja: uma coisa, não é necessariamente indissociável da outra, e quem assim não pensa é de presumir ser lírico sem mais valia. Estamos entendidos, portanto.
Vale-me a mim e a outros com ideias afins, a satisfação de termos o nosso próprio espaço ideário sem a convicção pretensiosa de luminosidade genial, ao estilo de "eu faço isto, e isto é importante, se não fazes o mesmo que eu faço e não me podes ser útil, não contas"! Sem nunca terem a coragem de o assumir, é esta a postura de alguns (não muitos, felizmente) que aqui vão dando uns palpites em nome do progresso da cidade do Porto. Pela minha parte a radiografia está tirada e não vou perder mais tempo com essas pessoas a não ser que me provoquem (como já tentaram fazer) ou que me cortem a palavra… Além disso, sabe-se, acabam por ter ligações directas ou indirectas com o poder, o que de certa forma já torna o fenómeno mais compreensível.
Posto isto, gostava de vos falar dos incêndios. Não chegaram exactamente à cidade do Porto, mas não andou lá muito longe, como todos sabemos. E o que dizer, sem cair naquela incómoda zona (para alguns) do bota-a-baixo? Que este ano tudo foi diferente para melhor? Será isto que devo dizer, para não ser rotulado de maldizente?
O que me cabe dizer sobre o tema sem ser exaustivo, (porque de facto já nem adianta), é que de novo os nossos governantes revelaram uma total incapacidade para atenuar - já não falo em resolver - o problema. Há sempre uma desculpa esfarrapada para justificar o insucesso e em último recurso a descarada inversão dos factos, a mentira! Só falta, é virem dizer: "estão a ver, como somos eficientes e até conseguimos chegar a um acordo com o S. Pedro para mandar vir chuva"? Esta hipotética frase é perfeitamente realista e possível no Portugal democrático dos novos tempos. Vale tudo.
O ano passado já andava desconfiado com as medidas apregoadas de combate aos fogos, porque muito se ouviu falar na aquisição de equipamento, (sempre e sempre mais equipamento), e muito pouco sobre medidas de planificação, prevenção e fiscalização. E quando os resultados são o que se viu este ano (como nos outros), a gente é levada a pensar: onde há equipamento há negociatas, onde há negociatas há dinheiro e onde existe dinheiro há corrupção, e o cerne do problema continuará adiado com o país permanecendo entregue aos caprichos da natureza e à inoperância dos (des)governantes. Costuma-se dizer que a sorte protege os audaciosos, e se considerarmos audaciosa a capacidade que alguns têm para mentir, este ano (contra o que é habitual) há ainda o argumento milagreiro "do lá fora também", neste caso, vão agarrar-se ao "exemplo" (dos incêndios) da Galiza para nos taparem a boca definitivamente. É assim, meus caros.
Paulo Espinha, citou aqui com oportunidade o teorema de Arrow e uma célebre frase de Churchill sobre a democracia, mas nenhuma máxima por mais inteligente e avançada que esteja no tempo em que é proferida nos pode fazer ceder à cristalização. Os tempos mudam e as concepções também. "E se todo o tempo é composto de mudança, troquemos-lhe as voltas que ainda o dia é uma criança"... Lembram-se? É de um português.
Rui Valente
Nota - Esta alusão crítica à incapacidade dos nossos políticos elaborarem um plano com resultados práticos no combate aos incêndios é, obviamente extensível a todos os partidos que desde Abril de 74 (36 anos!) detiveram o poder e não apenas ao actual. Isto, para que não hajam confusões.