De: José Machado de Castro - "Banqueiros à beira de um ataque de nervos..."
Mesmo em concelhos com actividade exportadora, o crédito concedido pela banca para habitação tem sido muito superior ao disponibilizado à economia. Em Felgueiras, para habitação, foi de 346 milhões de euros, e para a agricultura, indústria, comércio e serviços foram menos de 200 milhões. Em Paços de Ferreira, para habitação, a banca emprestou 398 milhões de euros, mas para actividades produtivas só foram concedidos cerca de 200 milhões. Em V.N. Gaia os empréstimos para habitação atingiram quase 2 mil milhões, para actividades económicas não chegaram a 1,3 mil milhões de euros. Os números repetem-se noutros concelhos do distrito do Porto, são do INE e de 2008, mas a situação não mudou nos anos mais recentes. Para um total de depósitos de 24 mil milhões, o crédito concedido em todo o distrito do Porto foi de 44 mil milhões de euros. Esta gravíssima distorção na concessão de créditos não surge por acaso, é o resultado das escolhas da banca por empréstimos a longuíssimo prazo (quase perpétuos), de baixo risco e com fortíssimas garantias (para além das garantias hipotecárias, têm associadas garantias pessoais prestadas por familiares). Mas quando se fala das dificuldades de acesso ao crédito por parte das actividades económicas, os habituais comentadores de ”economia” avançam com a conversa do costume: a banca não pôde financiar a economia, porque… teve que comprar muita dívida pública. De tanto repetidas, estas afirmações quase que ganham estatuto de veracidade. Mas escondem a realidade, de como o sector financeiro anda a tramar o país com as suas escolhas financeiramente imprudentes e irresponsáveis.
Comecemos pelo princípio: os países, todos os países, para fazer face aos desequilíbrios entre as receitas e as despesas de cada ano (défice orçamental) obtêm empréstimos, emitindo títulos de dívida pública. Para além da que é vendida aos particulares (certificados de aforro ou do tesouro), o grosso da dívida pública (obrigações do tesouro) é adquirida pelos chamados investidores institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos de investimento...). É que estes têm, por força da lei, de constituir reservas ou provisões técnicas, isto é, activos que garantam a satisfação de encargos previsíveis futuros (por exemplo, pagar sinistros nas seguradoras ou garantir os depósitos nos bancos..). E se o sector financeiro tem de possuir activos, que investimentos, que aquisições, que escolhas é que tem feito? Observando apenas a banca, verifica-se que no final de 2010 os títulos de dívida pública portuguesa, no valor de 19 mil milhões de euros, representavam menos de 7% do total de activos de todos os bancos portugueses. Tendo em conta que a banca também possui dívida soberana de países estrangeiros, constata-se que mais de 80% dos activos dos bancos são constituídos por outros valores, acções e obrigações de empresas privadas, unidades de participação em fundos de investimento e imóveis.
Então a banca portuguesa não comprou demasiada dívida pública portuguesa? Claramente que não, apesar do que se diz. Como refere o “Relatório de Estabilidade Financeira” do Banco de Portugal (BdP) - Maio de 2011 – págs. 51 e 61, “os bancos portugueses continuaram a apresentar, em geral, uma menor exposição a títulos de dívida pública do que outros sistemas financeiros da área do euro”. Para preencherem as suas carteiras de activos, os bancos escolheram comprar, para além de dívida soberana de outros países, principalmente títulos de empresas privadas (muitos deles sem qualquer notação, logo de duvidosa qualidade). Dito de outra forma, ao recusarem a compra de dívida pública portuguesa, os bancos forçaram a que as obrigações do tesouro emitidas pelo Estado português tivessem de ser vendidas no chamado mercado secundário, dominado por especuladores, que compram títulos de dívidas públicas mas com juros altíssimos. E forçaram a entrada no país da sua tão querida “troika”… Só que estas actuações, tão contrárias às regras prudenciais da actividade financeira, provocaram uma espécie de ”buraco negro” na necessária solidez da banca. É por isso que a anunciada avaliação pela “troika”, já na semana iniciada em 5 de Setembro, dos activos dos bancos está a deixar os banqueiros à beira dum ataque de nervos… É que os “esqueletos nos armários” são mais que muitos. Se os inspectores da “troika” forem tão rigorosos como a gravidade da situação exige, então vão confirmar que muitos dos activos da banca têm registos contabilísticos muito acima do seu valor efectivo e que há muito, muito “lixo”, na linguagem das agências de notação, nos títulos que representam as obrigações futuras da banca. Banqueiros à beira dum ataque de nervos, eles bem sabem porquê…
José Machado de Castro – jurista – deputado metropolitano do Porto do BE