De: Pedro Figueiredo - "Grande elogio do pequeno comércio"

Submetido por taf em Sexta, 2011-08-12 22:52

Local da antiga mercearia  Gaspar Carmo & Irmão, Suc.es, Lda.


Disse-me ontem o senhor da loja de fivelas, couros e apliques têxteis da Rua Chã: “- Desse tipo não tenho, mas se for aqui abaixo ao nº 72, eles têm de certeza…”. No mesmo dia e a propósito de outro artigo, outro senhor da Rua de Cedofeita disse “- Já não tenho… mas se for ali ao Chiadinho nos Leões eles são capazes de ter. Ainda estão abertos a esta hora.” E também nas outras ruas de comércio tradicional de raiz medieval – ruas de artesãos – Picaria, Caldeireiros, Almada – qualquer comerciante abre o jogo, humilde, aconselha o concorrente sempre que tal seja do benefício do cliente. O espírito do pequeno comércio tradicional no centro do Porto passa por esta consciência da Baixa como um todo, onde as lojas concorrem entre si ao mesmo tempo que se complementam e entreajudam para benefício do cliente. Não é o espírito da grande superfície que actua por conta própria para alvejar o target sem qualquer sentido colectivo ou urbano.

Nesta esquina da rua do Bonjardim com a Rua Formosa, onde existe agora uma Halcon Viagens tão igual a tantas outras, existiu até à morte do meu Avô em 1985 uma destas lojas tradicionais de “Mercearia Fina” tão típicas do Porto, com cheiros misturados a café, bacalhau, especiarias, canela, pimenta, açúcar amarelo, etc… O “Gaspar Carmo & Irmão, Suc.es, Lda.” era tido como uma boa loja. As companhias de crédito informavam-se junto do meu Avô sobre a fiabilidade deste ou daquele devedor da companhia, tal era a honestidade e confiança, conhecimento profundo entre lojistas dessa altura. O concorrente principal, a conhecida “Casa Januário” (em frente) era o Sr. Januário, muito amigo do meu Avô, … ao mesmo tempo o seu principal concorrente… “tabacos estrangeiros, licores, conservas, cervejas, artigos de confeitaria, etc” como no cartaz. Ainda hoje, a misturada de cheiros é a mesma, seja na Pérola do Bolhão, na Pérola da Guiné, na Casa Chineza, etc… E isto para mim é Porto, é a Baixa. Este cheiro a Mercearia Fina que não sai do coração, já lá vão uns 26 anos.

Agora a parte chata: que futuro está a ser preparado para o Comércio Tradicional do Porto? Que consequências para a restauração, cafés e pequenas lojas do aumento colossal do IVA que o governo prepara? É que todos sabemos que o Porto é ainda um oásis de baixo preço para refeições ligeiras (5 euros, 6 euros ainda é considerado barato e frequente no Porto), que por sua vez em conjunto com outras lojas que povoam a cidade ainda são a base low-cost do tal turismo low-cost que faz da Baixa em Agosto um fantástico melting pot (o baixo preço). Será Setembro um mês de falências e despedimentos em massa para o pequeno comércio do Porto? (…em boa hora tornados mais baratos e apetecíveis pelo governo…). O colossal servilismo deste governo que “liberal por liberal”, opta antes pelo (clássico) aumento do imposto mais injusto IVA, como a política mais anti-económica, …com o propósito exclusivo de contornar o que deveria fazer: não quer taxar as mais-valias bolsistas, não quer taxar as mais-valias imobiliárias, quer descer a TSU às grandes empresas, e portanto… os consumidores, os trabalhadores e os pequenos capitalistas do comércio tradicional pagaremos todos em conjunto os custos destes “favores” que PSD e FMI fazem aos grandes. Se isto não é servilismo, o que é o servilismo? Se isto não é um resgate, é o que é. É o seu contrário: É um sequestro!