De: Teófilo M. - "Brincadeiras"
Todos nós, quando miúdos, e até muitas miúdas, somos fascinados pelos carrinhos desde muito cedo. Tenho um neto que ainda há pouco fez um ano e o primeiro som mais ou menos bem articulado que fez foi o de brrrruuummm-brrruuummm, quando pegava em miniaturas de automóveis e carrinhas que abundam cá por casa. Depois, depois vamos crescendo. Uns fixam-se nas corridinhas, outros no coleccionismo, mas a maior parte opta pela vaidadezita de ter uma máquina moderna, onde na idade mais jovem anseia por uma máquina atrevida que encha o olho ao mulherama, e que mais tarde, com o crescimento abdominal, se reveja num bom sedan, ou num citadino jipe para levar a famelga a passear aos fins de semana, enfiar-se nas bichas diárias para o trabalho, ou nos estafantes engarrafamentos das pontes e férias. Não falo de outras atividades que embora lúdicas possam ferir a sensibilidade dos mais moralistas. Outros há ainda que, fiéis ao seu vício, correm o mundo só para estar perto daquelas máquinas barulhentas e velozes, gozar com o espetáculo e divertir-se à sua custa, ou enveredam por uma profissão ligada ao ramo para assim satisfazerem, com vantagem, a sua maluquice pelas corridas e pelos belos modelos e motores.
Mas há casos especiais, como o do senhor presidente da Câmara do Porto que, honesto e poupado, tem cortado em tudo que é cultura, porque só entende a versão em que a mesma dá lucro, se tem borrifado na desertificação da cidade, que anda desde que foi para o lugar a prometer a revitalização da Baixa, numa rede eficiente de transportes, numa reorganização da cidade - que aqueles que cá vivem sabem bem em que estado se encontra - que disse apostar na ciência mas que pouco faz ou fez por isso, mas que tem umas corridas só para ele e para a sua trupe que, como alguém disse, é para alguns dos senhores do Porto vestirem umas calças claras, sentarem-se juntinhos a beber uns copos e a sonharem que estão no Mónaco.
Que isso custe a destruição de parte da Avenida da Boavista, que as bancadas fiquem apenas compostinhas, que as receitas geradas sejam distribuídas pelos hotéis de muitas estrelas e pelo setor da restauração, que da câmara saia um bolo suficientemente elevado que poderia ser aplicado noutras coisas não interessa! A publicidade do evento, sendo medíocre, não chama televisões internacionais, nem sequer as nacionais. O público acha o espetáculo caro preferindo ver de fora e de longe pois a vida está má. Os patrocinadores lá vão dando, pois sempre é melhor estar do lado da CMP do que contra ela, nem todos são a equipa do FCP que se pode dar ao luxo de não precisar da sua ajuda para ser projetada na Europa e no Mundo.
Mas ninguém reclama, está tudo caladinho, até porque se passa no Porto, que já foi a segunda cidade do País, vai em terceiro lugar e até à saída dos Censos vamos continuar expectantes. Sabe-se porém que é um local onde vivem velhos e estudam jovens, que tem taipais de madeira a cobrir frontarias de prédios e lojas, que tem montes de edifícios e habitações abandonadas, que já teve mercados e um comércio florescente, mas que agora tem uns a cair, outros em transformação e que o pouco comércio que vai subsistindo continua a debater-se em dificuldades de monta e não vê lura de onde saia coelho.
Por aqui se faz ciência a sério e de qualidade, sem ajuda da Câmara, mas também sem grandes reconhecimentos. O que poderia ser a porta de entrada para um turismo diferente anda à procura de umbrais seguros para poder ser erguida e a cidade estiola, do mesmo modo que estiola a aridez da Avenida aquecida pelo Sol. Há muita gente que sabe do que falo, mas prefere olhar para o lado e discutir outras coisas, qualquer dia também estes terão de partir ou passarão a engrossar os velhos que por aqui deambulam, tristonhos, recordando o tempo em que era difícil, a um Sábado à tardinha, circular em Santa Catarina.