De: Augusto Küttner de Magalhães - "Será desta que vigora o arrendamento"
O arrendamento no nosso país tem décadas que não está adequado ao seu tempo. Numa fase, pelos anos 50, 60 do século XX teve um incremento muito ligeiro e desregrado, e mesmo assim cresceu na década seguinte, em função de uma deslocação de pessoas do interior para o litoral, implicando a necessidade de arrendar para aí habitar, mas nunca havendo vontade de fazer ou rever a adequada legislação. Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 a confusão generalizou-se, casas foram ocupadas, rendas estipuladas de qualquer jeito, que ficaram - todas - em 1975 congeladas, e se tudo já vinha mal detrás, piorou. Posteriormente, com o empenho de construtores e de bancos, passou-se a ideia de que pagar rendas era enriquecer os senhorios, logo cada um deveria adquirir habitação própria, mesmo que ficasse para a vida a pagá-la e o preço final viesse a ser o triplo do seu valor real. E tudo foi evoluindo neste sentido, o arrendamento e tudo com o mesmo relacionado foi sendo desleixado. Um inquilino que quisesse, e ainda queira, deixar de pagar a renda pode fazê-lo que só muito mais tarde será posto fora da casa que não paga, e terá imensas probabilidades de nunca ter de vir a pagar o que deixou de fazer em tempo devido.
Numa altura em que o mote já era a necessária mobilidade no trabalho, o não trabalho para a vida, o ter de mudar, foi-se mantendo a ideia de que adquirir casa própria logo no início da vida adulta era o ideal. E foi-se construindo mais do que o necessário, e foi-se incutindo a ideia de que cada um mudava para uma habitação maior ao lado da anterior vendendo e comprando, como se todos fossem fazer dinheiro não só utilizando casa própria, mas com a mesma negociando. Num crescente endividamento aos bancos, e os bancos a acharem que era uma forma de serem bancos e os construtores de construírem.
Hoje, temos um país a abarrotar de habitações vazias novas, nunca utilizadas, e menos novas, cujo pagamento pelos putativos futuros proprietários vai decorrendo de forma menos segura, quando não interrompida. Tudo isto veio a ter um fim e hoje, quando não há dinheiro, os bancos seleccionam ao cêntimo os empréstimos que fazem, o que implica que a compra e venda de habitações estagnou e assim irá ter que ficar, no mínimo durante a próxima década.
Posto isto, só resta o arrendamento quer de habitações novas construídas em excesso, quer de antigas, que a não elevado custo podem ser restauradas para além das que sempre estiveram no mercado de arrendamento. Arrendar não é crime, comprar para arrendar é uma forma de poupar, e também de fazer circular dinheiro. E os inquilinos não terão de pagar seguros, nem condomínio, nem IMI, que ficará à conta do senhorio, e este pode ter justamente um acréscimo lícito do seu rendimento mensal. Assim, não por vontade própria mas como única alternativa viável, espera-se um forte incremento no arrendamento, que faça com que todas as habitações existentes neste nosso país sejam utilizadas, não sendo indispensável cada português ser proprietário da sua residência, logo a partir dos 21 anos e ficando a pagá-la uma vida. Agarrado ao mesmo local.
Haja possibilidade de recuperar o que existe, de utilizar o que está feito, de não fazer mais, e de sabermos ser nós e nunca só os outros a ter que resolver o que não está resolvido. E mude-se para melhor a lei do arrendamento e a dos despejos.
Augusto Küttner de Magalhães