De: Correia de Araújo - "Ver apenas a árvore..."
1. Confesso-me perplexo com o que li, aqui, há dois ou três dias, sobre a inviabilização de um referendo local! Começo por dizer que estive sempre frontalmente contra este referendo. Um verdadeiro absurdo! Na verdade, fazer um referendo por dois plátanos e um cedro parece-me um gritante disparate. Sim, é disso que se trata! E foi isso mesmo que nos disse o autor deste projecto (revisto e agora em segunda versão) quando confrontado na Assembleia Municipal com a possibilidade de o Centro de Congressos vir a destruir os jardins do Palácio de Cristal. Aí, alto e bom som, exclamou indignado: é mentira!
Este referendo seria, por assim dizer, mais um pretexto para se adiar… para se perderem os 7 milhões de financiamento assegurado… em suma, um expediente dilatório para que nada se fizesse. É que o leitmotiv desta discussão residia na dúvida em relação à salvaguarda e protecção dos jardins e essa dúvida cessou com a alteração do projecto e a futura construção do Centro de Congressos em zona já impermeabilizada. Ponto final! Esteve bem o Partido Socialista, sem ressabiamentos (coisa rara nestes tempos), demonstrando postura institucional. Não sei se, com os papéis invertidos, isto é, a Câmara PS e o PSD na oposição, seria possível uma solução desta natureza… a avaliar pelo que eles fizeram com o PEC IV!!! Já agora, e para remate desta primeira parte, ai como me apetece dizer: em bom tempo se ergueu a Biblioteca Municipal Almeida Garrett!
2. Mas o que mais me inquietou foi aquela afirmação das 6000 almas que encontraram, por via da negação deste referendo, mais um motivo para desencanto, correndo-se sério risco de deixarem também a cidade por esta ter ficado menos atractiva. Não! Nada disso! Estas 6000 pessoas serão as últimas, repito, as últimas, a abandonar a cidade do Porto. Porquê? Explico já a seguir! Tomemos como exemplo o concelho de V. N. Gaia, por ser o maior beneficiário líquido e, consequentemente, o mais emblemático em relação a este êxodo populacional que se vai fazendo sentir, diariamente, a partir da Invicta. Gaia tem, nas extremas do seu território, e viradinhos para os concelhos limítrofes, grandes placards com o slogan: “Gaia é obra!” Sim, Gaia é mesmo obra! Muita obra! E faz obra sem dar cavaco!
Enquanto o Porto discutia o Plano de Pormenor das Antas e a localização do futuro Estádio do F.C.Porto, Gaia propunha-se acolher (sem discussão) esse mesmo Estádio! Enquanto o Porto discutia o Centro Materno Infantil do Norte (mais piso, menos piso, mais lugar de estacionamento, menos lugar de estacionamento), Gaia oferecia terreno para a construção (sem discussão) do CMIN! Enquanto o Porto discutia a localização do “El Corte Inglés”, Gaia ficava com ele (sem discussão)! O Porto discute, Gaia constrói! No Porto discute-se o Parque da Cidade, o arranjo da Avenida dos Aliados, a Via Nun’Álvares, o Aleixo, os jardins do Palácio de Cristal, a construção junto à Ponte da Arrábida, a putativa (não, não é palavrão) pintura do Silo-Auto, o Bom Sucesso, o Bolhão… e lá se vai de revisão em revisão, de projecto em projecto, até um “não projecto”. Em Gaia criam-se novas centralidades, rasgam-se novas vias e acessibilidades, fomenta-se o empreendedorismo pela atracção de novos e vultuosos investimentos… e referi-me a Gaia como podia ter falado da Maia ou de Matosinhos, por exemplo.
Dizia eu que estas 6000 pessoas, as que queriam o referendo, serão as últimas a abandonar o Porto pela simples razão de que elas precisam deste palco, o palco em que tudo é discutível e tudo é referendável. Isto não acontece nos concelhos à volta do Porto, designadamente na GAMP, onde há todo um outro mundo formado por mais de um milhão e meio de pessoas mas onde os plátanos e os cedros podem tombar diariamente… e nada se passa! O que verdadeiramente importa é este naco de território de 42 Km2 e 200 mil habitantes… porque é local para onde confluem aqueles que têm todo um campo aberto à sua frente mas preferem miopiamente focalizar a sua intervenção apenas na árvore e não na floresta. Porto e Lisboa são duas cidades permanentemente “sacrificadas” e envoltas em longas discussões, controvérsias e obstaculizações várias, a propósito de tudo e de nada. Curiosamente têm também como denominador comum o facto de serem as cidades que mais população perdem. Por que será? Sintomático, não acham?!
Termino com um apelo: por favor, não banalizem este precioso instrumento da democracia que é o referendo!
Correia de Araújo