De: António Alves - "Túneis e asfixia financeira"
Caro TAF,
Atribuir as dificuldades financeiras da Metro do Porto à opção pela construção de troços de via em túnel e não à superfície é pegar no problema pela rama e não ir às causas profundas. Mas vamos por partes.
O Metro do Porto é apenas - realço o apenas - enterrado entre a Trindade e Campanhã e entre S. Bento e a Asprela. Troços onde obviamente não podia ser de outra forma sob pena de perder toda a eficiência que sobejamente demonstra. Já imaginou as composições saírem da Trindade à superfície e seguirem com destino a Campanhã por ruas estreitas e sinuosas, subindo rampas e descendo pendentes, pelo meio do trânsito automóvel e dos milhares de peões que por lá permanentemente circulam? Só retirando radicalmente o tráfego automóvel do seu percurso é que tal seria possível - e mesmo assim de um modo muito menos eficiente que em túnel. O Metro do Porto tem seguido a metodologia correcta: onde é possível, sem grandes perdas de eficiência, circular à superfície tal é implementado; quando tal não é possível circula enterrado. Na projectada linha do campo Alegre houve que defendesse a sua implementação à superfície na artéria do mesmo nome. Já imaginou o caos que se instalaria numa das principais vias de entrada e saída da cidade e de acesso a uma das áreas residenciais (Foz e Nevogilde) que mais utiliza o automóvel? Eu uso frequentemente o Metro entre a Casa da Música e Campanhã. A viagem dura 11 minutos. Caso todo o percurso fosse à superfície e sem canal exclusivo esta marca seria impossível. Muito provavelmente triplicaria. Até um autocarro seria mais rápido. O investimento seria verdadeiramente inútil, por muito mais barato que ficasse, se não houvessem ganhos significativos.
Passemos agora à questão financeira. Como sabemos, a construção da rede de metro no Porto tem sido quase exclusivamente financiada com recurso a empréstimos bancários. A fundo perdido, e em clara discriminação em relação a outros projectos no país, o financiamento ficou-se por uns escassos 25%. Apesar da maioria do capital ter passado para as mãos do governo central nada se alterou, tanto no aspecto do financiamento da obra como na questão das indemnizações compensatórias. Aliás, a única mudança significativa foi o facto da Transdev ter perdido a operação do sistema para um grupo com claras ligações ao partido do governo. Um daqueles consórcios privados que vivem agarrados ao estado que nem lapas. Um dos mais paradigmáticos casos do crony capitalism nacional.
Como os empréstimos bancários vencem juros e a política de pricing é imposta pelo governo, obrigando a empresa a cobrar preços muito abaixo do real custo do serviço, os resultados da operação não são suficientes sequer para cobrir o seu próprio custo quanto mais para libertar capital para amortizar empréstimos e pagar juros. Estava escrito nas estrelas, como agora está em voga dizer, que o resultado seria este. Era apenas uma questão de tempo. Aliás, não foi apenas a Metro do Porto que chegou a este ponto. Como também sabemos, o próprio estado está no mesmo beco sem saída. Em resumo: fosse a rede toda construída à superfície ou toda construída em túnel o resultado seria o mesmo. Seja a dívida de 2 mil milhões, ou fosse ela apenas metade, nesta altura a empresa estaria na mesma à beira da asfixia financeira. Como não se acredita que o estado viesse a assumir as suas responsabilidades no financiamento a fundo perdido, e como já vimos que a operação (somada às indemnizações compensatórias) nunca seria capaz de se pagar a ela própria e ainda libertar capital, a solução teria que ser a mesma de sempre: recorrer a empréstimos para pagar empréstimos anteriores. Como o estado está ele próprio falido e já nem a banca nacional e a internacional lhe emprestam dinheiro muito menos emprestarão a estas empresas que dele dependem.
Ninguém de bom senso poderá esperar a operação deste tipo de infra-estruturas seja capaz de pagar o investimento. Devem isso sim ser geridas de modo à operação ser no mínimo sustentável para não acumularem dívidas atrás de dívidas. Mas o seu financiamento a fundo perdido tem que ser assumido pela colectividade. Estes investimentos devem ser avaliados pelas externalidades positivas que geram. E este é um dos que gera externalidades de enorme valor. Mais de 5 milhões de pessoas usam-no mensalmente. Além da mobilidade regional ter sido imensamente melhorada, o que em si já é um enorme factor de competitividade e qualidade de vida, gera poupanças em combustível, tempo e emissões de CO2 que a seu tempo cobrirão o pesado investimento efectuado. O TGV, por exemplo, limitando-se à Linha Lisboa-Madrid, não gerará externalidades positivas, antes pelo contrário.