De: José Ferraz Alves - "Caro Tiago, mais sobre o empreendedorismo social e o CIS Porto"

Submetido por taf em Quarta, 2011-03-30 18:03

O CIS Porto não é uma nova série, o que até poderia ser uma nobre e leal forma de divulgação de uma cidade que o merece, mas de um Centro de Inovação Social, à semelhança, admito, do CSI Toronto. Lê-se no site da Câmara Municipal do Porto: "A operacionalização do CIS passará pela avaliação de projectos com potencial de inovação social na cidade, pela validação dos projectos que, comprovadamente, se apresentem como socialmente inovadores e pelo apoio na implementação dos mesmos, recorrendo a parcerias entre os diversos agentes económicos e sociais. Este centro contará, também, com a colaboração de jovens talentos que pretendam implementar os seus projectos dinamizados através da pós-graduação em Empreendedorismo e Inovação Social, organizada pela Câmara Municipal do Porto através da Fundação Porto Social, com apoio da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto."

Novamente, a este nível da inovação social, considero que a Câmara do Porto tem sido pioneira e ela própria empreendedora, e dou-lhe os meus parabéns. Claro que se está mesmo a ver que os que se apresentem fora do sistema instituído terão mais dificuldade no apoio à implementação dos seus projectos, que é o que mais acontece neste país ... O Fundo Bem Comum da ACEGE poderia muito bem apoiar um projecto como o que apresentas, sobretudo quando sei que andam a perguntar nas suas redes que projectos existem para financiar. Quando se está fora do sistema, neste país, é como se não se existisse. Eu sei muito bem o que isso significa e a força que temos de ter para fazer reverter situações, pela força e capacidade das nossas ideias e perseverança de princípios e motivações. Muito duro e tanta energia e projectos que se perdem.

Referindo-me ao seminário do passado sábado, nem eu gosto de participar em debates em que se fique pela oratória, sem que daí resulte mais um passo no sentido da operacionalização. Simplesmente, porque o empreendedorismo social se caracteriza precisamente por se adaptar às capacidades das pessoas visadas e não devem dessas serem instrumentalizadores. Os Governos devem intervir e corrigir as falhas de mercado e fazem-no, providenciando bens públicos. Quando alguém tem poder e voz as coisas são fáceis. Quem não tem poder muitas vezes é ignorado. É aqui que entra o empreendedorismo social. É a procura de soluções sustentáveis para problemas negligenciados pela sociedade e que envolvem externalidades positivas. É a segunda mão invisível de Adam Smith, guiada pelo amor ao próximo, não pelo interesse próprio, conduzindo o sistema capitalista a melhores resultados ao alavancar de forma descentralizada, explorando sistematicamente oportunidades e incorporando externalidades positivas, criando assim valor para a sociedade. A técnica é a capacitação das pessoas, envolvendo as pessoas em causa como meio para a solução (em Belo Horizonte reduziu a delinquência em 7%, dando estatuto aos arrumadores, organizando-as a partir do que sabem fazer). As pessoas são desafiadas a contribuir para a solução, sendo esse o conjunto mais produtivo e rentável do que o modelo empresarial do controlo.

Mas vamos voltar ao problema dos investidores. Que só surgem quando podem ganhar, e para os quais temos de ser capazes de criar projectos do tipo "win-win", em que os ganhos sejam repartidos, se forem puros empreendedores, ou se se assumirem como empreendedores sociais, o lucro será apenas um meio para se alcançarem objectivos de teor social. E, aí, a reabilitação da Baixa assume-se como a resolução de vários problemas sociais. Claro que um projecto low-cost de reabilitação urbana deveria ser aprovado e considerado como empreendedorismo social, nomeadamente se os lucros revertidos para o próprio processo de recuperação, e não distribuídos.

Dou a ideia de um projecto, financeiro, que tire as pessoas da situação de endividamento escravizador em que se encontram, verdadeiramente por crimes de usura, como esta recente do Banco de Portugal, a autorizar taxas de 34%! Nesta situação, em seis anos, pagando 500 euros de juros mensalmente, amortiza-se zero de capital. A uma taxa decente de 6%, pagando 290 euros de renda - juros mais capital -, a seis anos (que poderiam ser oito, dez, baixando esta prestação) tudo fica pago (*). Este Fundo poderia ter garantias parciais do Estado – como as linhas PME Investe – e garanto, seriam rentáveis para quem o oferecesse ao mercado. E os seus resultados, aplicado noutros investimentos, como a reabilitação low cost, de pequenos montantes, ou o apoio à reabilitação urbana de habitações de idosos (**), como aqui apresentei, ou na multiplicação do sistema (2.500 pessoas, com um valor médio de 17.500 euros, exigiriam 43,75 milhões de euros de investimento. Se os fundos forem tomados à Euribor e depois emprestados a 6%, em juros, o resultado seria um ganho anual de 1,75 milhões de euros e um reembolso em capital de 2,625 milhões de euros, que poderiam apoiar mais 250 pessoas, e assim sucessivamente).

É nesta luta, transparente e clara, que também estou. É preciso um Fundo e uma Banca Social-Cívica, lucrativos, que apoiem a implementação de Pequenos Projectos Possíveis. O Fundo Bem Comum, se criado como Fundo de Desendividamente, um bom caminho. Peguem na ideia.


(*) -
Quadro financeiro


(**) - Em Espanha, há instituições financeiras que disponibilizam soluções, em que é feita uma hipoteca sobre a casa, em troca da qual o proprietário passa a receber uma renda mensal vitalícia. Com este sistema, as contas de alguns Bancos apontam para que um aposentado médio espanhol, que recebe uma pensão de 600 a 700 euros por mês, possa duplicar os seus rendimentos mensais. Neste país, trata-se de um veículo financeiro que funciona como um sistema complementar dos rendimentos de reforma, decisivo neste período de busca de soluções para a sustentabilidade da Segurança Social. Após a morte do mutuário, os herdeiros têm um ano para vender o imóvel e amortizar o capital e os juros em dívida. Ou, simplesmente, para liquidar o empréstimo e manter a propriedade. Se nada disto suceder, poderá sempre a Instituição de Crédito transferir o imóvel para Fundos de Investimento Imobiliário Especializados, previamente contratados, e acertar contas com herdeiros (sendo que os descendentes nunca herdarão a dívida que não possam pagar com a venda da propriedade.

Onde poderia aqui entrar a reabilitação urbana? Em termos complementares a esta solução: e se esse fluxo vitalício de rendimento, atrás apresentado, fosse afectável, parcial ou integralmente, ao pagamento das obras de recuperação? Que até potenciariam o seu próprio valor passível de hipoteca? Ou seja, complementarmente ao que é feito em Espanha, em Portugal seria como um veículo para o financiamento das necessidades com a reabilitação de edifícios que são propriedade de idosos, de uso próprio ou arrendamento (senhorios, idosos, com poucas posses).