De: Augusto Küttner de Magalhães - "Mercado do Bom Sucesso em Fevereiro de 2011"
Dar uma volta num dia de semana, à hora do almoço, pelo Mercado do Bom Sucesso, ainda é uma experiência interessante. Consegue-se, apesar de tudo – degradação do local, crise mais geral, descontentamentos mais alargados – estar durante alguns momentos num espaço diferente do que nos vai sendo usual estar. O edifício, tanto por fora como por dentro, está a ficar assaz degradado e ao que parece irá ser sujeito a obras que o transformarão, deixando, ao que se lê, ainda ficar um bocado para mercado antigo.
Hoje, meados de Fevereiro de 2011, hora do almoço, um dia de semana, é-nos possível estar calmamente dentro deste edifício, diferente dos outros. Entrámos pelo piso de rua quem vai da Rotunda da Boavista, podemos ver várias bancas de frutas e vegetais, frescos, com bom aspecto, já vemos morangos em caixas, ou seja, não terão vindo directamente do campo, mas pode ser que não seja a sua “altura” e também que não haja suficiente agricultura, para as necessidades internas de consumo - culpa da CEE, ao que nos vão dizendo, que malandros…dizem. Mas ainda se consegue ter, ficar, “apanhar”, uma imagem menos estratificada do que é um mercado antigo, de proximidade, sem ser um super ou hipermercado, estes têm tudo lá, a bom preço, mas é tudo muito igual, está tudo posicionado no mesmo sítio, frutas - muito calibradas, muito polidas, muito alinhadas - à entrada, bebidas para a direita, leite para a esquerda, talho ao fundo, caixas em filas de cereais, de sumos, de chocolates, de bolachas!
Bem, continuando no Bom Sucesso, as tais bancas com ar agradável, com as frutas e os vegetais, nota-se que as vendedoras (vendedeiras) são novas – ou nós já estamos a ficar velhos, tal como quando olhamos para um polícia, eram todos mais velhos que nós, hoje, são todos mais novos que os nossos filhos – que pela conversa seguiram o negócio que vem do tempo das avós e lhes foi passado pela mães. Mais adiante umas quantas bancas de peixe com bom aspecto, ouvimos dizer que é fresquinho.
Subindo por umas escadas ladeadas a azulejo branco, chegamos ao andar superior, que circunda pelo interior toda a cobertura do edifício, nota-se a degradação olhando para cima para o envidraçado, para as manchas pretas de humidade, no que foi bem branco em tempos idos. E vemos flores e mais flores, e alguns arranjos já feitos e outros a serem acabados, para levar para junto de pessoas que terão acabado de morrer. São palmas e coroas, aquilo que todos vemos quando temos de ir a enterros. Faz-me sempre muita confusão o dinheiro que se gasta nestas enormes coroas, nestas palmas, claro que estas pessoas – que as vendem, tem de ganhar a vida, mas por certo se não vendessem estas flores para mortos, venderiam outras a vivos, ou vasos cujas plantas não fossem, também, cortadas à vida. E estas flores para mortos, serão para alguns – quando vivos - que nunca de flores gostaram, ou até para bastantes, que pensariam(?) que aquele dinheiro todo junto, para celebrar tantos mortos em cada ano, daria para algo mais produtivo à sociedade. Bem, mas são formalismos, tem de assim ser, quanto mais flores, coroas e palmas, mais importante era o morto ou é, depois de morto, a família daquele. Sim, porque depois de morto…
Bem, continuando, mais adiante varias pequenas lojas que estão encostadas às paredes do edifício, - por dentro, evidentemente, e no tal andar superior -, que são talhos, uns com enormes bocados de carne pendurados mas que está a ser guardados em grande frigoríficos verticais, outros com uma série de salsicharia, salpicões e tudo que com estes se relacione. Ouve-se entre vendedores (vendedeiras), falar do futuro, não só da Crise que a todos afecta, das pessoas não têm dinheiro, mas também das alterações que irão ocorrer naquele mercado, e qual o espaço, mais pequeno, que lhes será possível ocupar.
De facto, uma pequena e rápida incursão ao passado recente, e espera-se que tudo o que aqui possa ser futuro seja bem conseguido, bem equacionando, para não acabar o que está, mesmo danificado, e nada acontecer, ou que o surgir seja inviável – já temos visto isto por cá acontecer! Pode ser que não, e como temos de estar a viver o hoje virados para o amanhã, esperemos consegui-lo, ficando o passado como memória e como orientação para um futuro, que se esperaria melhor…