De: Pedro Figueiredo - "E que tal passar cinema num cinema? (perto de si)"

Submetido por taf em Segunda, 2011-01-10 18:07

1. O edifício do antigo Cinema Batalha, actualmente mal denominado de "Cinema Batalha" ( já não era cinema) voltou a fechar. Parece que a razão que levou a este fecho é a falta de "rentabilidade" do edifício, normalmente a mesma razão comummente aceite para fechar cinemas, teatros, mercados... E que tal se passassem cinema no Cinema Batalha para voltar a rentabilizar o edifício? "Passar cinema num cinema"... Alguém acredita? Até parece uma coisa óbvia... mas não é. O que é óbvio é o mundo do avesso. No Porto, cidade onde gostamos de complicar as coisas simples, usa-se mais tentar "rentabilizar" com ideias peregrinas...

  • O que gostamos é de ter um bar, buffet e dancing num Cinema (Batalha) (afinal também não é rentável assim...).
  • O que gostamos é de ter um shopping num Mercado (do Bolhão) (afinal também não será rentável assim...).
  • O que gostamos é de ter um hotel, shopping e estacionamento num Mercado do Bom Sucesso (afinal também não há sequer vontade e dinheiro para o rentabilizar assim...).
  • Um cinema num cinema. Um mercado num mercado, parecem "ovnis", o nunca visto... Adoramos prostituir os edifícios às nossas necessidades e nem assim eles são rentáveis... Bem feito para nós. A arquitectura das coisas não é bordéis. Os cidadãos não são meretrizes.

2. O cinema passou para a periferia , tal como os habitantes da cidade, e passou para o monopólio da Lusomundo ou da Zon. Digo monopólio onde outros dizem mercado livre. Só que o mercado do Cinema é tudo menos livre. Era bem bom se fosse livre este mercado... Depois veio a Net com os downloads que me dão tanto jeito, a Blockbuster, etc... e já ninguém dá nada pelos cinemas urbanos, falindo todos. Só que agora também faliu a Blockbuster. Falindo a "alternativa", já não há alternativa. Um gajo quer ver um filmezito "clássico", antigo ou outro, e não é possível. Começa a ser deprimente. A Blockbuster era mesmo aqui ao lado... De qualquer forma se um dia tiver netos posso-lhes dizer que estive no Cinema Batalha na última sessão em que houve filme por ali... Três marmanjos viram a última sessão do Batalha, entre estes eu - "O 13º Viking", um péssimo filme de resto, decadente, com o António Banderas... tinha mesmo pinta para ser o decadente último filme... mas era um Filme. E agora rien de rien... Vai no Batalha! Acabaram-se as fitas no Batalha.

3. Mas há mais, neste rol de lágrimas. Também somos a segunda cidade de um país da Europa Ocidental, onde um teatro entregue ao Poder Local (Rivoli) é logo reentregue a um particular em regime de monopólio e onde um teatro entregue ao Poder Central (TN São João) é logo devolvido a Lisboa, não vão os "nativos" querer ser consequentes com o óptimo trabalho que reconhecidamente lá tem sido feito... Também nos andam uns e outros a roubar e nós a ver. Tão boas pessoas que somos, os Portuenses.

4. E é um mito urbano dizer que não há público para o Cinema na cidade do Porto. Os casos de sucesso de Serralves e da Casa da Música são dois case-study que demonstram que também há futuro para o Cinema. Em Serralves e na Casa da Música existe edifício apropriado + instituição dentro. E este princípio é fundamental. Serralves é um edifício com uma arquitectura feita para ser museu e com uma instituição museu dentro. Logo, houve condições e trabalho para se "fazer públicos" que vão lá, onde antes o preconceito era o de que as pessoas não vão a museus... E no entanto vão lá, e aos milhares. A Casa da Música é um edifício com uma arquitectura feita para ser Casa da Música e com uma instituição Casa da Música dentro. Logo, houve condições e trabalho para se "fazer públicos" que vão lá, onde antes o preconceito era o de que as pessoas não gostam de música erudita ou culta... E no entanto vão lá, e aos milhares. E com o Cinema Batalha, é igual. Será igual. Em vez de inventarem programas peregrinos e mal amanhados para um dos edifícios com melhor arquitectura e mais bem localizados do Porto... Passem Cinema lá, por favor. Não existe o agora reanimado Cineclube, que só lhe falta casa? E porque é que não se instala no Cinema Batalha? É o sitio mais óbvio. E a tal "Cinemateca"? Não temos algures perdido nas traseiras de apartamentos outro belo edifício - a Casa das Artes - há anos que está em obras por causa de umas infiltrações na cobertura - para vergonha de todos nós... A Casa das Artes que aparece nos jornais é sempre a de ...Famalicão... (Vergonha Portuense)... Existe a promessa do governo de instalar aqui a Cinemateca! A Vergonha Portuense nº 2 é a "Casa do Cinema Manoel de Oliveira", chutada para um canto manhoso também nas traseiras perdidas de prédios perto da "Católica"... Outra fórmula para o insucesso - ir buscar os terrenos menos centrais... os mais à mão... agora está cheia de grafittis - Boa arquitectura sem instituição dentro. E quer-se instalar lá, morte lenta há anos de promessas quase a morrer na praia , a tal Cinemateca... E o Cinema Batalha, tão "Baixa", tão visível e central... Porque é que não instalam a Cinemateca no Cinema Batalha?

5. A minha proposta é simples - uma Cinemateca gerida quiçá pelo Cineclube do Porto e instalada no Cinema Batalha. Na "Baixa", portanto... E assim era mais um edifício (óptima arquitectura) com uma instituição dentro. Prontinho para "fazer públicos" como Serralves e a Casa da Música fizeram e neste caso passar cinema, onde outros "passam" artes plásticas e música. No Nun'Álvares está-se a experimentar com criatividade novas formas de "rentabilizar" cinema. Filmes "a pedido", alternância entre filmes mais "pop" e mais "eruditos", sistemas de "pack" e de descontos, etc... Quando há vontade e inteligência as obras nascem. E permanecem.