De: João Vieira - "A linha do Tua - rodovia e ferrovia"

Submetido por taf em Sábado, 2010-11-20 19:52

Linha do Tua - Abreiro

Linha do Tua - Tralhariz


Aproveitando o comentário de Augusto Küttner de Magalhães, gostaria de tocar num ponto que considero relevante: "Se muitos bem entendemos que não haja possibilidade de reconstruir a Linha do Tua". Não julgo que seja necessário reconstruir a linha do Tua, na verdadeira acepção do termo. Necessário será proceder a intervenções um pouco mais profundas que simples manutenções correctivas mas que duvido que fiquem longe de uma exorbitância de custos.

O problema real é que, nas últimas décadas, sempre se favoreceu largamente o investimento rodoviário em detrimento do ferroviário. Nos investimentos rodoviários realçam-se as vantagens, chavões já conhecidos como "desenvolvimento regional", "contrariar a tendência de despovoamento", "gerador de emprego" (vindo-se curiosamente a provar o contrário mais tarde, tal como com as barragens de que tanto se fala agora), enquanto nos parcos investimentos ferroviários (principalmente se excluirmos a Linha do Norte, Sul e onde circulam suburbanos) apenas se realçam os custos, numa lógica que quase pretende fazer crer que a ferrovia é das maiores responsáveis pelo endividamento do país.

Senão vejamos: o Estado vai pagar em 2010 82 milhões de euros pela disponibilidade da ex-SCUT Costa de Prata (cerca de 750 mil euros por km), 89 milhões pela disponibilidade da ex-SCUT Grande Porto (1600 mil euros por km) e 54 milhões pela SCUT Norte Litoral (500 mil euros por km). A A16, recentemente inaugurada, custou cerca de 5,5 milhões de euros por km. A construção do mais recente troço do eixo Norte-Sul custou cerca de 17 milhões de euros por km. O último troço da CRIL, só em expropriações, está a custar 20 milhões por km.

Quando falamos de investimento na ferrovia, vemos que a reabilitação da infraestrutura da Linha do Douro entre Pocinho e Barca d'Alva ficaria por cerca de 300 mil euros por km enquanto a sua manutenção (ligeiros trabalhos rotineiros e ataques pesados de 4 em 4 anos) ficaria por 50 mil euros anuais (2 mil euros por km). Mas enquanto para a construção de auto-estradas (será que não temos já suficientes?) parece haver sempre dinheiro sem fim, todo e qualquer investimento ferroviário é tomado sempre com muita cautela, para dizer o mínimo...

A linha do Tua não é um sorvedouro de dinheiro, embora esteja longe de ser lucrativa (tal como qualquer linha de serviço regional). Mas também as estradas não o são. A linha do Tua, no entanto, tem grande potencial turístico, tal como tem a linha do Douro (com claro sucesso principalmente nos meses de Verão), e um correcto aproveitamento turístico ajudaria na sua rentabilização enquanto prestadora de um serviço público essencial na região de Trás-os-Montes, principalmente no troço encerrado entre Carvalhais-Bragança. Como pode haver "mercado" para um IP4 e até para uma A4 entre Mirandela e Bragança e não para um serviço público ferroviário que era um decalque do traçado da auto-estrada?

Enquanto na vizinha Espanha, a linha Barca d'Alva - La Fuente de San Esteban (que, a propósito, a sua recuperação custaria pouco mais que 100 mil euros por km) foi declarada Bem de Interesse Cultural com categoria de monumento, por cá diz-se que a linha do Tua não tem valor patrimonial embora sejam dois exemplos relativamente similares em beleza paisagística e dificuldade de construção. Todo este processo da linha do Tua parece pouco transparente e faz crer que desde há vários anos há outros interesses em relação à ferrovia que pouco têm a ver com os seus reais custos e proveitos que trazem à sociedade.

João Vieira