De: Sérgio Caetano - "A propósito do assalto ao centro histórico do Porto"
Resido há cerca de 6 anos em pleno centro histórico da cidade do Porto em ruelas “sujas e gastas” onde ainda se conserva o espírito tão característico desta cidade que alguém apelidou de “aldeia grande”. Muito poderia escrever sobre a minha experiência neste meio ao longo destes anos, das histórias, dos afectos, da proximidade e carinho que sinto sempre que saio à rua, do espírito de comunidade e entreajuda que se encontra nestas vielas da Vitória, Taipas, Virtudes...
Vou-me centrar nas promessas aos habitantes destas zonas e na política de “reabilitação” que está a assaltar o património arquitectónico com consequências sociais que têm tanto de irresponsabilidade como de ganância, com uma terrível insensibilidade por parte de quem parece odiar esta cidade.
Hoje encontrei mais uma vítima desta política de “reabilitação” numa das mercearias da Vitória, um senhor com cerca de 60 anos vividos nesta zona, que desabafava impotente e conformado com o destino que lhe traçaram... Foi escorraçado para um dos bairros sociais da periferia com a sua mulher, por sinal um bairro com inúmeros problemas ao nível social, daqueles para onde são recambiados todos os que estão a mais no burgo... os que não interessam a uma elite cosmopolita e autoritária que se está a apoderar do centro histórico do Porto. Dizia este senhor que teve azar na “doutora que lhe calhou” porque não foi minimamente sensível à situação deste casal humilde, obrigando-os sem contemplações a abandonar a casa, os vizinhos, os amigos... como se não tivessem outro remédio senão cumprir a pena a que foram condenados, sem direito sequer a julgamento.
É-me impossível descrever a amargura daquele homem assim como não consigo falar destas “políticas de limpeza social” sem lhes escarrar mil vezes em cima. O que se passa no Centro Histórico do Porto é demasiado grave para ser aceite por cidadãos que amam o Porto e as suas gentes, e casos destes encontram-se às dezenas só nesta zona da cidade onde vai nascer um novo hotel (miradouro de S. Bento da Vitória) e, aos poucos, desaparecem as pessoas.
Sérgio Caetano