De: José Ferraz Alves - "Barragens e desenvolvimento"
Gostaria que nos entendêssemos sobre o conceito de desenvolvimento. Para mim, está associado à fixação de pessoas no território e à promoção de emprego qualificado e bem remunerado. Nada disso existe, de momento, nas regiões onde se pretende construir as barragens. Também não existe nas regiões onde já há barragens. Apenas porque uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não é uma relação directa.
Fico um pouco assustado se pessoas com tanta responsabilidade acreditam, de facto, nesta relação de causa-efeito entre barragens e riqueza nas regiões. Fico mesmo assustado. Porque aquilo que a construção das barragens tem feito acentua ainda mais o abandono dos territórios, retirando, durante a fase de construção, alguns agricultores para desqualificados trabalhos de obras públicas e daí para a emigração. Como acho que querem acreditar, apenas, já percebo outra lógica de discurso. Da oportunidade de se poderem canalizar as compensações financeiras deixadas pelo aproveitamento dos nossos recursos naturais em favor de projectos empresariais nessas regiões. Isso porque são regiões muito pouco contempladas por apoios ao desenvolvimento. E que as compensações das barragens poderiam corrigir um mal estrutural das políticas nacionais de desenvolvimento do território. À falta do dinheiro sempre canalizado para as duas grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, em muito particular para Lisboa, aproveite-se o que a EDP para lá pode enviar. Pelo menos, parece que haverá, pela primeira vez, algum dinheiro. Como um mal menor. Algo que nunca foi feito e aí é meritório o empenho das populações na defesa do seu território.
Aí entram as opções, mas a que custo para as populações desses territórios e ao potencial virgem lá existente? Acontece que na base dos territórios do Sabor e Tua existe um potencial natural, ambiental, humano, histórico que será muito afectado. Há muitos projectos ligados às Águas Bravas, que nasceram espontaneamente, sem planos de desenvolvimento, fundos financeiros dedicados, empenho de autarcas e administradores e que vão ser afectados. Não se pediram mecenas mas o respeito por esses empreendedores e as suas necessidades actuais, sem estarem a criar situações artificiais. Não se estão a pedir salvadores da pátria, apenas que se não se limite a liberdade dos outros. A EDP não tem direitos sobre um território que é público. E muito mal está a CCDRN em não ter falado em defesa do bem público.
Fico perplexo com a questão da linha ferroviária do Tua. Já viram no National Geography uma série dedicada aos comboios a vapor turísticos, que nos reconduz ao tempo da conquista do Oeste, às viagens do Willie Fog, ao imaginário dos parques temáticos da Disney, às estepes da Sibéria, etc, etc? Nós temos esse potencial e vamos destruí-lo, trocando-o por voltas de barco....NÃO! E a ligação à rede de Alta Velocidade Espanhola, em Sanábria, que colocará Madrid a 2 horas de Bragança? Uma parede, numa curvatura de um rio, a gerar míseros rendimentos energéticos justifica abdicar deste potencial para a região? NÃO!
Passei muitos anos da minha vida em grandes projectos de corporate finance. Há 2 anos, visitei um plano de mini-hídricas numa dada Serra, em que, após a consciência do seu pouco interesse e rentabilidade energético, foi proposto um projecto de recuperação turística. A morte sentia-se no ar e na água. As águas estavam paradas e cheiravam mal. Nem um barulho de animais ou insectos. Quem, como eu, assistiu à cara de impotência dos responsáveis dessas mini-hídricas sobre o curso a dar a esse activo, percebeu que algo está a ser muito mal feito e que tem de ser ponderado e alterado.
José Ferraz Alves