De: Raquel Pinheiro - "A reabilitação, os estrangeiros, os estudantes, a arte e o estacionamento na Cordoaria"
O Público de hoje trazia um artigo interessante, a vários níveis, sobre a recuperação e posterior utilização de prédios na baixa do Porto, que leva a algumas perguntas. Que necessidade há de uma entidade portuguesa convidar estrangeiros para pensarem modos de reabilitar e utilizar prédios do Porto?
O que o colectivo artístico austríaco WochenKlausur, convidados pela Culturgest, propõe – a recuperação por um grupo de indivíduos, de imóveis degradados, tendo depois estes o direito a habitar o imóvel por determinado número de anos –, já foi, com mais ou menos detalhes, falado, e até apresentado às entidades competentes por habitantes da cidade sem que pouco, ou nada, tenha acontecido. Por exemplo, o Tiago chegou mesmo a propor à Câmara Municipal o estudo de um acordo que permitisse uma situação de ocupação de espaços desocupados/degradados. O que aconteceu? Nada. Como também não foi dada sequência à proposta que fez às Águas do Porto para a reutilização dos depósitos de água parados, objecto de um concurso internacional de arquitectura. Mas a um colectivo artístico estrangeiro a Câmara do Porto indica rapidamente um imóvel disponível.
Parece ter-se instalado no Porto uma ideia de que a arte, os estudantes e os estrangeiros – o projecto dos WochenKlausur tem como ponto de partida para a recuperação do imóvel o recurso a estudantes que depois o habitariam –, são a (única) salvação da cidade, sendo tudo o que com uma e com outros se relaciona uma prioridade. Faz pouco, ou nenhum, sentido colocar na mão de estrangeiros o que já foi pensado por cidadãos da cidade. O ser estrangeiro é símbolo de qualidade? Quem conhece melhor a cidade, aqueles que a conhecem de terem “pesquisado alguma coisa na Internet”, trazendo “algumas ideias sobre o trabalho que podiam levar a cabo”, ou quem nela habita há décadas, conhecendo-lhe os defeitos e as virtudes? A isso, de preterir o local pelo estrangeiro, achando sempre este mais válido, chama-se provincianismo.
Ter a arte (essencialmente a de expressão contemporânea) e as indústrias criativas como o grande garante do futuro e desenvolvimento da cidade é, mais do que limitativo, erróneo. Uma cidade como o Porto precisa de cuidar, incentivar, promover a sua memória cultural, o seu património imaterial e material, a sua especificidade, a sua história. A estas pode, e deve, ser acrescentada a produção artística contemporânea, mas esta não pode ser a pedra motriz da cidade. O mesmo com os estudantes. Andar a fazer isto e mais aquilo tendo em vista o benefício destes, esquecendo todos os outros grupos populacionais que vivem na cidade, é também um erro. Uma cidade, para se melhorar, para se recuperar, precisa de um planeamento integrado, diversificado, que englobe a e tenha em atenção o facto de o todo ser maior do que as partes . A recuperação, claro, também não pode ficar confinada à Baixa, zona do Porto que, ultimamente, parece ser a única por cá existente a precisar de ser recuperada e revitalizada.
Em relação ao estacionamento no Jardim da Cordoaria, o mesmo não deve, em qualquer circunstância, ser permitido. Pense-se em soluções alternativas, lógicas e duráveis, como por exemplo a hipótese referida no post do José Ferraz Alves. Mas, e sendo que tais transportes se destinam a trazer gente para a movida, aqueles que beneficiam com a vinda dessa gente à Baixa deverão contribuir para a dita rede de transportes [ou outra solução/soluções encontrada(s)]. Não faz sentido, como em tanta coisa entre nós, tal encargo recair exclusivamente sobre o erário público.