De: Rui Encarnação - "Salários verdes"
Aquilo que se chama hoje de contrato de trabalho é uma realidade que tem uma origem histórica e que progrediu a par e passo com o sistema capitalista industrial, isto é, com o que se chamou de revolução industrial. Apesar do termo ser hoje politicamente incorrecto (sabe lá Deus porquê) as conquista laborais foram, realmente, conquistadas, com sangue, suor e muitas lágrimas. Ter direito a férias, a ter um período de trabalho e a ter vida, família, tempo para privar e educar os filhos, foi algo a muito custo e a muito sacrifício conquistado, pois na antítese encontrava-se a dura realidade do investimento de capital e da rentabilidade – quem tem dinheiro investe e quer (tem direito, tem de ter) o retorno que espera e, para assim ser, quem não o tem deve sujeitar-se ao que lhe é destinado a fazer e sem reivindicações.
Há dias li/ouvi um pequeno texto em que se discorria sobre o conceito do dinheiro e que realçava o termo da dicotomia (do séc. XX) sobre o dinheiro ser um bem ou um mal em si mesmo. Discussão que apaixonou boa parte do anterior século e da intelectualidade de então. Hoje, já nada disso faz sentido. A generalidade das pessoas vê um dinheiro como uma abstracção, só concretizada em acções e, por isso, quem faz dele bom uso, faz bem, e, invertendo os pólos, quem o usa mal (ou não usa) faz mal. Neste sentido do bem e do mal, certo quanto a mim nos seus princípios, pode-se apreender algo que hoje percorre a sociedade de lés a lés, e também nas relações laborais.
Hoje, o conceito social da empresa e a valorização do factor trabalho começa a perder-se, desvirtuando-se o que é (ou deve, ou pode ser) a contrapartida que os detentores do capital devem prestar para utilizarem o factor trabalho. Só que, nesta libertária visão que hoje começa a ficar em voga nalguns sectores, não há lugar para a total liberdade de empreendedorismo. Pensem só que um conjunto de trabalhadores de uma empresa decide que abrindo, ao lado da sua entidade empregadora, uma empresa igual, podem fazer a mesma actividade, por conta própria e melhor gerida. Se o tentarem fazer enquanto são trabalhadores são despedidos pois não podem concorrer contra a entidade empregadora (porquê?), se o fazem depois de cessarem a relação laboral, também não porque se apropriam do saber como da entidade empregadora. Porquê? Porque é que há-de haver proteccionismo ao investimento de capital em detrimento da livre iniciativa? Porque é que não podemos usar a ideia do vizinho/ou do ex-patrão?
Porque se protegem marcas e patentes? Se elas existem e eu consigo usá-las melhor que o criador, não há razão para proteger o criador…
O mercado para ser livre, e para poder expressar e representar a ideia de que deve ganhar mais quem for mais capaz, deve ter o mínimo de regras e não proteger ninguém. Por isso, esta vaga neo-liberal, sem cabeça, sem memória, e sem rumo, é risível, pois só o é na medida dos seus interesse e conveniências, já que não abdica de tudo quanto protege o investimento do capital. Deixem o contrato de trabalho em paz, pelo menos enquanto essa for a forma de tutela e limitação da utilização do facto trabalho pelo capital. É que, não demora dez anos, e estamos a pôr em causa o direito das crianças ao trabalho… (então se elas não vão à escola, porque os pais são pobres ou não as incentivam a ir, não é melhor aprenderem um ofício?)
Haja paciência e memória…