De: Pedro Figueiredo - "A precariedade já vem de longe"

Submetido por taf em Terça, 2010-05-25 23:20

Obrigado, cara Cristina Santos por me possibilitar contrapor a sua argumentação relativamente à questão dos recibos verdes, a que eu chamarei de falsos recibos verdes por uma questão de reposição da verdade das coisas. A morte das palavras certas é no politicamente correcto a morte das próprias coisas. Não é a mesma coisa chamarmos “colaborador”, em vez de “trabalhador”, ou chamarmos “trabalhador independente”, em vez de “trabalhador precário”, ou chamarmos “a recibo verde” em vez de “precário” ou “falso recibo verde”. As palavras certas dão o cunho certo ao que queremos dizer. O aburguesamanto das palavras deturpando o seu significado mais cru e verdadeiro é uma das grandes chagas do nosso tempo.

1 – Segundo esta nova teoria – novíssima teoria social que a Cristina Santos expôs no seu artigo anterior – deduzi que sempre que alguém que viva do seu falsoreciboverdismo (induzido ou assumido) precise e queira fazer valer os seus direitos básicos a que efectivamente tem direito e que todos os dias alguém “falsopatrão” lhos insista em sonegar, o melhor que tem a fazer é ir para tribunal. Melhor ainda: passar a viver disso. Passar a viver como recurso normal e recorrente das indemnizações que se supõe estarem sempre – sim, sempre – garantidas pelos tais tribunais funcionam tão bem em Portugal. É de facto uma teoria fantástica.

Segundo a sua novíssima teoria, para que os prevaricadores de sempre não cumpram a lei, nem sejam obrigados a cumpri-la, (que chatice, a lei, a lei, sempre a lei, que chatice tantas leis) o melhor que temos a fazer é passar a pôr sempre e constantemente as “falsasentidadespatronais” em tribunal e vivermos deste expediente. Não como o último dos últimos recursos de uma forma normal e diária, como se fôssemos os Estados Unidos onde processo quer dizer “vamos lá ganhar mais uns dólares em tribunal”. “Estranha forma de vida”, não é?

Sim. Assim como é mais fácil fazer entrar um camelo num buraco de uma agulha do que uma empresa pagar o que deve à Segurança Social, é mais fácil ganhar-se um processo de falsorecibismoverde em tribunal do que fiscalizar e fazer cumprir as “leis” que diz que se fazem por aí (diz que sim…). Concordo e apoio que somos o país que já desistiu de fiscalizar, como advoga Cristina Santos. E aplaudimos. Achamos “bem”, não é? E como não? Se até a ACT possui inspectores em regime precário… Estamos portanto conversados quanto à fiscalização de ilegalidades laborais neste país.

2 – Como conheço colegas meus a trabalhar a falso recibo verde para gabinetes de Arquitectura cuja média de permanência / rotatividade no dito “emprego” ou “trabalho” é de um ano ou dois anos, presumo que o futuro e o presente para esta gente está em:

  • a) ser admitido a recibo verde
  • b) ser um trabalhador rentável e exemplar (palavras de Cristina Santos)
  • c) ser “despedido” (usa-se “deixar de trabalhar aqui” ou ainda “alargar horizontes” ou ainda “soltar amarras”)
  • d) colocar a tal entidade “patronal” em tribunal,
  • e) ganhar dinheiro garantido com indemnizações (coitadas das “entidades patronais" que ficam manchadas na sua boa fama, snif, snif, mas que chatice...) e
  • f) voltar o disco e tocar o mesmo. Todos os dois anos, mais ou menos vai ser um negócio fantástico.

3 – Também concordo com a Cristina quando chega à conclusão que somos nós, os falsos recibos verdes, o melhor que há para a economia. Concordo que damos uma grande rentabilidade ao país. Mas, mais que ao país, damos uma enorme rentabilidade aos “outros”. Eu sou muito rentável para a econopmia dos outros. Ao contrário do que faz supor o seu texto, não ganhamos “mais”, nem “muito mais”. Muitos ganhamos à hora, o que quer dizer que, das duas uma, quando há trabalho, escravizamo-nos das horas, tentando acumular horas de trabalho. Quando não há trabalho ganhamos mesmo. O valor hora é o mesmo, portanto, ganhamos o mesmo. Em economia os preços que importa comparar são os preços unitários, “à unidade” e não os preços finais.

4 - Eu dei, de facto, bastante rentabilidade ao meu antigo “Patrão” que me teve a falso Recibo Verde durante seis anos, o que equivale ausência de prestação à Segurança Social da parte dele em cerca de (por alto) 6 anos x 12 meses x quota parte da minha segurança social, ou seja, imaginando hipoteticamente uma prestação previsível do patrão de 120 euros/mês, dá 6 x 12 x 120 euros, ou seja: 8.640 euros. São 8.640 euros que esta empresa não pagou à Segurança Social, metendo-o ao bolso o “boss”, não é verdade. Contribui, de facto, para que esta empresa encaixasse uma rentabilidade de 8.640 euros, à minha custa (herói). Sinto um gande orgulho em contribuir com o meu empreendedorismo para o relançamento da economia deste país.

É de facto mentira, ao contrário do que diz a Cristina – que a principal questão não seja o que as empresas poupam em segurança social. A principal questão é, sim senhor, o totoloto que os “bosses” vão amealhando ao não pagar a segurança social destes “contratados”, conforme a lei. Por outro lado, o que é que um falso recibo verde ganha com a segurança social que lhe sai toda do bolso, actualmente em cerca de 160 euros? Um complemento de reforma, se for o caso. Nunca o principal, que seria a prestação mais desejada em tempos de crise, que é o subsídio de desemprego. É um sistema de facto, genial, que funciona na perfeição. O Patrão põe dinheiro ao bolso. O Estado poupa em não ter de atribuir o tal subsídio de desemprego. E o mexilhão paga e não é retribuído.

5 – Quer trocar o seu bom lugar a contrato comigo, Cristina, já que tanto advoga o “empreendedorismo”? É realmente bom ser-se empreendedor, não é? A minha rentabilidade para outros e a de muitos dos meus colegas fez-se e far-se-á ainda mais vezes à custa de jornadas de 10 horas, 12 horas e 16 horas, ou mesmo a tal “directa” quando está mesmo em causa para o gabinete a entrega de um concurso. Se me queixar perco a moral, não é? Deixo de ser um herói, empreendedor e “independente”. É recompensado quem se orgulha de extensas jornadas de trabalho para entregar projectos. E sem bufar, porque todos sabemos o “segredo” que ninguém diz, mas apenas pensa baixinho: “se falhar, será que serei despedido? Sei que não tenho direitos, o melhor é trabalhar mais e calar”.

6 – Por fim, aconteceu-me a mim ser despedido desse tal gabinete, sem direito ao famigerado subsídio dos “preguiçosos” e “subsídiodependentes”. “OH”, dirá a Cristina, “É preciso ter azar”. Concordo, minha cara. Por azar dos azares o despedimento após seis anos de falsorecibismoverde teve mesmo, mesmo, mesmo que calhar na semana em que aqui este herói empreendedor e independente teve a ousadia (e esperança, a soberba, a lata) de ter assinado com o banco um contrato de compra de casa - ousei pensar que aos 30 já fosse possível, audácia, não é? E lá ía eu começar a minha primeira prestação bancária para o resto da minha vida… desempregado e sem direito a subsídio por ser “independente”… Ridículo, não é? “Elas” acontecem MESMO… Mas sei que sempre que precisar de uma mão posso contar com a ajuda financeira ou de víveres da minha cara Cristina Santos que certamente não ma negará. Para bem da economia e da rentrabilidade, claro. Afinal, a economia do país tem de continuar e the show must go on!

Pedro Figueiredo, arquitecto