De: Tovi (David Ribeiro) - "O «meu» 25 de Abril (Parte II)"
Campo de Instrução Militar de Santa Margarida, Batalhão de Engenharia nº 3
Quinta-feira, 25 de Abril de 1974, 00:20 horas
Tenho que ser rápido. Peço ao Martins que me leve para o jeep uma G3, um cunhete de munições e meia dúzia de granadas ofensivas. “E minis?... Não é melhor levar também minis?... Vou pedir ao murcão do barista para me arranjar umas minis!” – e lá vai o barrigudo do Martins tratar dos nossos mantimentos. Para ele, desde que haja minis está tudo bem.
Quando desço a avenida de Santa Margarida em direcção aos paióis vejo uma coluna a partir com destino a Porto Alto. São os gajos de Infantaria que estavam aqui a formar batalhão para partirem para a guerra na Guiné. Se tudo nos correr bem, estes já não embarcam para África.
As tropas estão nos locais previamente definidos por mim, a segurança está montada e ninguém entrará no perímetro dos paióis sem eu autorizar. Volto para o quartel e vou para a messe dos oficias. Aqui já todos sabem o que se passa. Há várias unidades a caminho de Lisboa, as operações militares estão em marcha e são irreversíveis. Nova tarefa é-me atribuída. É necessário organizar uma escolta para ir com as duas Mercedes de transporte de pessoal buscar os sargentos e oficias que moram no perímetro do Campo Militar. Temos que passar por Tramagal, Rossio ao Sul do Tejo, Abrantes, Barquinha… Porra, vai demorar umas duas horas. As ordens são precisas: Toda a gente vem para o quartel, ou para se juntar ao movimento ou para ser preso. Não houve problemas, a maior parte do pessoal já sabia o que se estava a passar. Só o Segundo Sargento da Secretaria do Comando é que ainda me disse: “E se eu desse parte de doente? Não seria melhor?”. Respondi-lhe: “Você é que sabe como quer ir para o quartel: ou na Mercedes ou no meu jeep, só que aqui vai sob ordem de prisão”. Remédio santo. Já estava a subir para a carrinha de transporte de pessoal.
De novo no Batalhão de Engenharia nº 3 onde está tudo em estado de sítio. A porta de armas está barrada com uma máquina escavadora. Consta-se que o quartel de Cavalaria, paredes-meias com o nosso, ainda não aderiu ao movimento. Há tropas em posição de combate debaixo dos alpendres das casernas. No gabinete do Oficial de Dia sou informado que terei que formar uma coluna para ir ocupar a barragem de Castelo de Bode. Já não me sobram homens para esta tarefa. Vou à caserna dos recrutas e é com estes que organizo as tropas. No jeep vou eu, o Martins, meu inseparável condutor e mais um cabo das transmissões que conheço bem. Na Berliet um cabo-miliciano da companhia de instrução e dez soldados. Vai também um moto-tanque dos bombeiros, com quatro homens. Objectivos: Ocupar o posto da GNR de Castelo de Bode, fazer protecção contra sabotagens às instalações da barragem e controlar a circulação de pessoas e viaturas na estrada nacional que a atravessa.
Fazemos uma refeição de atum com cebola, metemos uns casqueiros no bornal e lá vamos nós. É já a meio da tarde que chegamos à gigantesca reserva de água que abastece a região de Lisboa. Constava-se que a Legião Portuguesa tinha um plano para sabotar a barragem em caso de golpe de estado e assim tornar imprópria para consumo a água da capital. Nada de anormal aconteceu. Ainda me lembro da cara de espanto do GNR do posto da barragem aquando da nossa chegada. Por lá nos mantivemos até ao dia 28, sendo depois rendidos por um pelotão do Regimento de Infantaria de Abrantes.
Assim foi o "meu" 25 de Abril... E já lá vão trinta e seis anos...