De: Pedro Marinho - "Mais um túnel ou a ponte para o futuro"
Primeiro, algumas referências: Montpellier, Lyon, Liubliana, Amesterdão, Copenhaga, Estolcomo.
Estas cidades, na sua história recente, debateram-se com o problema da profusão automóvel. As ruas, viadutos, parques de estacionamento pareciam não resolver as longas filas de automóveis. Os governantes perceberam então que estavam a interpretar incorrectamente o problema e que este não se resolveria com acessos ao automóvel. Resolveram cortar o mal pela raiz: em vez de melhorar a circulação automóvel, dificultaram-na. Perceberam que a presença do automóvel tratava-se de uma intromissão ao estilo de vida característico de qualquer urbe. Começaram com ciclovias e ciclofaixas; fecharam quarteirões atrás de quarteirões ao trânsito automóvel privado, criaram zonas 30 e zonas de trânsito partilhado. Os donos dos automóveis eram responsáveis por encontrar um lugar privado onde o deixar, ou então deixavam o nome numa lista de espera para obterem um lugar perto de casa para o seu carro. Os carros que passavam na cidade pagavam uma taxa. Criaram Ss nas ruas, mini-rotundas, colocaram as passadeiras ao nível dos passeios (chama-se a isto acalmia de tráfego). Aproveitaram para colocar mais árvores, retiraram sinais de trânsito, lançaram programas de bicicletas partilhadas. Os transportes públicos ganharam poder reivindicativo sobre a urbe, aumentando a qualidade do serviço e as várias empresas operadoras foram integradas (temos o excelente exemplo do Andante). Aos poucos, os governantes e os habitantes perceberam que a cidade ganhara qualidade de vida: as pessoas saíam à rua, havia mais comércio, mais vivacidade, a economia refloresceu; a sinistralidade caiu, o ambiente melhorou. Temos bola de neve.
Foi preciso muito esforço por parte de todos, porque foi preciso mudar uma coisa que não se pode pedir à tuneladora que faça com uns milhões do QREN: mudaram-se as mentalidades. Quebraram-se ciclos. Renegaram-se paradigmas. Abraçaram-se novas oportunidades.
Quem visitou as cidades que citei, ou tantas mais por aí, ter-se-á questionado, certamente, qual a razão de serem tão tranquilas e relaxadas. Gostos à parte, nenhuma delas tem a presença ou silhueta ou carácter do Porto mas, ainda assim, que raio é que as torna tão prazenteiras? E as bicicletas passam, as pessoas ficam-se na esplanada, percorrem as múltiplas zonas comerciais nos seus fazeres e lazeres, há uma profusão multicultural, os transportes públicos bem apetrechados, filas de trânsito?, dois automóveis nos semáforos. Demorei muito tempo a perceber a resposta que estava ali à frente do meu nariz: cidade amigável ao peão; cidade amigável.
Perguntai aos governantes e ao povo que habita essas cidades se estão arrependidos da escolha feita. Se voltariam atrás, ou se continuam os projectos de melhoria dos transportes públicos e de redução ao acesso automóvel, e porque será que há tantas cidades a tomar como inspiração essa atitude. Perguntai-lhes, e perguntai a vós mesmos: afinal onde está o encanto das ruas do Porto? Será no meu automóvel? Que quero eu da minha cidade? Que quer a minha cidade de mim?