De: Pedro Bismarck - "Em resposta a João Faria"

Submetido por taf em Quinta, 2010-04-08 11:35

Caro João Faria,

Pode não acreditar mas estou absolutamente de acordo. Mas repare-se que, quando falo de Centro Histórico, falo do núcleo central da cidade onde este projecto se insere (Sé, Mouzinho, Flores). E não falo da Baixa em geral. A zona de Santa Catarina (por exemplo) tem outras condições para receber um tráfego automóvel mais intenso. Algo que dificilmente poderá acontecer na Rua das Flores ou na Rua da Vitória. Mas independentemente do que o carro possibilita ou não, o que eu digo é que não pode ser esse o mote para Reabilitação. É preciso diferenciar as áreas. Reter o que elas têm de característico e singular e adaptar as estratégias de intervenção. Porque senão em vez de reabilitar estamos a destruir. E isso é tudo o que a SRU não faz. É tudo igual. E tudo segundo critérios muito discutíveis. Estamos à beira de perder grandes áreas de património arquitectónico à custa de projectos de tendência suburbana, de grande escala. Para inserir carros no Centro Histórico vai ter de ser sempre ao nível da micro-escala, de pequenos projectos: sempre houve recolhas, já existem alguns parques de estacionamento, e agora há, inclusivamente, leasing de automóveis.

Não podemos simplesmente adaptar a Sé a uma lógica automóvel que nunca teve. Eu não digo que ninguém pode ter carro, eu próprio tenho carro (vendo, aliás!). Aliás, a cidade só será interessante e só será cidade nessa multiplicidade de estilos e formas de vida. O que eu digo é que essa não pode ser a única lógica de intervenção, adaptando à força um tecido urbano que tem mais de 800 anos. Tem de haver outras lógicas, outras preocupações para, de facto, transformar a cidade numa urbanidade: espaço público, parques infantis (não há um único parque infantil em toda a zona dos Clérigos, por exemplo), limpeza, segurança, benefícios para moradores ou isenção de taxas de estacionamento, equipamentos. Enfim, uma miríade de opções, possibilidades, e elas estão aí, já são utilizadas em muitas cidades.

O que este projecto quanto a mim demonstra é o equívoco de toda a acção da SRU e o processo em curso de transformar um centro histórico (e uma baixa) numa espécie de parque temático e de diversões, segundo uma lógica meramente económica (deixando de preferência fachadas com automóveis no primeiro piso) e não segundo o interesse público que ela de facto deve ter. Porque a lógica pode ser a do privado e a do mercado, mas a cidade é de todos e por isso o interesse é público. Eu quanto a mim preferiria um túnel de metro e não estar à espera mais cinco anos pela ligação São-Bento - Foz. Porque, no fim, nem eu nem vocé teremos dinheiro para pagar aqueles lugares de estacionamento, e provavelmente nem as rendas, e aí teremos os dois de sair da Baixa.

Cumprimentos,
Pedro Bismarck