De: Catarina Martins - "Carta Aberta ao Conselho de Administração da Fundação de Serralves"
Caro TAF,
A propósito deste seu post, envio-lhe a carta aberta que eu e o José Soeiro enviámos aos membros do Conselho de Administração da Fundação de Serralves.
Os melhores cumprimentos,
Catarina Martins
http://cultura.bloco.org
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CARTA ABERTA
Ao Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves,
Luís Braga da Cruz
Aos membros do Conselho de Administração da Fundação de Serralves,
Rui Manuel Campos Guimarães, Luís Campos e Cunha, Adalberto Neiva de Oliveira, Elisa Ferreira, Vera Pires Coelho, Ana Pinho, André Jordan e Manuel Cavaleiro Brandão
A Fundação de Serralves é uma instituição da maior relevância para o país e para o distrito do Porto. Pela actividade ímpar que tem desenvolvido ao nível das artes contemporâneas, com o reconhecimento internacional que é público e com o sucesso em termos de visitantes e de iniciativas, Serralves tem sido uma referência no domínio da cultura e da afirmação do Porto no roteiro da arte contemporânea a nível mundial.
É pelo facto de termos em elevada consideração esta instituição que pensamos que ela deve ser também exemplar na forma como trata aqueles que asseguram o seu funcionamento, em todos os serviços que a compõem. Um dos traços da contemporaneidade é precisamente o respeito pelos direitos sociais e pela dignidade de todos e todas.
No passado dia 22 de Março, a Directora-Geral da Fundação de Serralves, Odete Patrício, enviou a dezoito trabalhadoras e trabalhadores do serviço de atendimento e recepção daquela Fundação uma carta, comunicando a cessação de funções até ao próximo dia 12 de Abril, na sequência da sua substituição através a contratação de uma empresa especializada «por motivos de maior racionalização de serviços» (cfr. anexo 1). Todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores dispensados encontravam-se em situação de falsos recibos verdes, sendo que a maioria executava as mesmas funções há mais de cinco anos.
Em resposta ao pedido de informações do Ministério da Cultura, remetido na sequência da pergunta n.º 1623/XI/1ª do Bloco de Esquerda, de 18 de Fevereiro, vem a Fundação de Serralves admitir que as prestações de serviço das e dos recepcionistas «não configuram relações laborais», pese embora ocorra «nos espaços da Fundação» e exija «a utilização de equipamentos daquela», acrescentando ainda que «são os colaboradores que se organizam entre si e comunicam à Fundação a disponibilidade para prestar serviço». Ora, estas declarações são estranhas e não são exactas. No próprio sítio da internet da Fundação de Serralves é muito claro que o serviço de atendimento ao público tem um horário estipulado, a que acrescem os eventos promovidos pela própria Fundação, não sendo o horário de trabalho fixado pelas trabalhadoras e trabalhadores, ainda que eles se organizem na distribuição de turnos.
O ponto 1 do artigo 12º da Lei 9/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código de Trabalho, estabelece a presunção de contrato de trabalho quando se verifiquem algumas das seguintes características: «a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma».
Assim, a situação profissional vivida pelas e pelos recepcionistas da Fundação de Serralves carece de legalidade, uma vez que há vários anos exercem as suas funções em regime de prestação de serviços, não obstante estarem inseridas/os na equipa, tal como demonstra a fotografia do sítio da Fundação (cfr. anexo 2), desenvolverem a sua actividade nas instalações do contratante, utilizando material da instituição e estarem sujeitos a uma hierarquia, facto que se constitui contra-ordenação muito grave (ponto 2 do artigo 12º da Lei supracitada).
Por isso, não se percebe por que razão nunca foram celebrados contratos com estes trabalhadores. Qual a opinião do Conselho de Administração acerca deste despedimento, eufemisticamente apelidado de cessação da prestação de serviços, dado que nunca estes trabalhadores tiveram direito a um contrato de trabalho?
Na verdade, considerando as características das funções desenvolvidas por estas trabalhadoras e estes trabalhadores, alguns há mais de cinco anos, a sua situação profissional deveria ser regularizada, mediante a celebração do correspondente contrato de trabalho com a Fundação de Serralves. Porém, ao invés de tal regularização, as e os recepcionistas foram intimados a constituírem-se como empresa para manterem as mesmas funções de trabalho subordinado e, não tendo aceitado tal pretensão, acabaram por ser dispensados.
Os membros do Conselho de Administração desta fundação são, em último caso, os responsáveis directos por esta decisão. Apelamos por isso a que, no respeito pelos direitos e pelo esforço dedicado por estas/es trabalhadoras/es à instituição, se cuide da situação laboral dos e das recepcionistas de Serralves, que deveriam ter um contrato de trabalho como qualquer trabalhador subordinado. Em nome da dignidade e do respeito pelo trabalho destas pessoas, sem as quais Serralves não poderia ter funcionado nos últimos anos, solicitamos que revejam a decisão tomada, não atirando estas pessoas para o desemprego, numa situação em que, pelo facto de serem “falsos recibos verdes”, não terão sequer qualquer protecção social nem poderão beneficiar de qualquer subsídio de desemprego.
A deputada e o deputado
Catarina Martins e José Soeiro
Lisboa, 30 de Março de 2010