De: José Ferraz Alves - "Rede Social, uma boa iniciativa"

Submetido por taf em Terça, 2010-03-16 22:10

No Jornal Público de hoje é referida a apresentação do Diagnóstico Social da cidade do Porto, que faz um conjunto de recomendações para uma cidade mais solidária, a partir do ponto de “uma cidade cada vez mais envelhecida, esvaziada, empobrecida e dependente”. Afinal bem diferente da pujança e vitalidade apresentada em época de eleições. Sei que há quem, de tanto querer uma dada realidade, a possa acabar por confundir com os seus desejos, o que é pior do que deturpar conscientemente a realidade. E aí pouco há a esperar das medidas que depois preconizará, dado que a base em que assentarão seria sempre bastante frágil. Ainda bem que não é o caso.

Entre as várias e muito acertadas medidas reveladas no documento, que podem ser a base da reabilitação social do Porto e de um próprio mercado de desenvolvimento de empresas especializadas no apoio social de forma sustentada (“medidas de incentivo à aquisição e conservação de habitação para os mais jovens”, “acção articuladas com as juntas de freguesia e associação dos moradores”, “respostas para os problemas de isolamento e vulnerabilidade dos idosos”, “ divulgação de incentivos ao micro-crédito”, “valorização do tecido associativo”, "apoio à promoção de dinâmicas de voluntariado social”, etc.), apenas uma dúvida na proposta de uma figura de coordenação para algo que, afinal, já brota espontaneamente da própria cidade: “em termos globais, considera-se que a cidade possui um bom capital no plano dos recursos materiais e humanos que, acima de tudo, carecem de gestão integrada e partilhada”. Espero, apenas, que não mais um cargo público de regulação, mas sim sobretudo um facilitador dos contactos entre os intervenientes da Rede e que saiba respeitar a livre iniciativa dos indivíduos. Espero que a Coordenação receba finalmente uma Associação Humanitária de Apoio aos Doentes de Alzeihmar, que há anos precisa da autorização para reabilitar um espaço da Câmara que estava desocupado e marginalizado. Porque não começar por mostrar disponibilidade para ouvir o que existe da própria iniciativa dessas pessoas, e canalizar logo essa energia? Se calhar os projectos necessários a que os planos não sejam inconsequentes estão desde logo aí encontrados.

É que estamos cheios de excelentes diagnósticos e planos, mas isto só vai lá por pequenas acções concretas, que nos escapam e que erradamente desvalorizamos. O Porto precisa mesmo é de um acupuntor económico e social, de pequenas acções concretas e efeitos locais imediatos. De provocar choques e reacções. Uma dia, disseram-me que a figura do Estadista corresponde àquele que, sem nada aparentemente fazer, acaba por beneficiar de um conjunto de circunstâncias que conduzem a que os problemas públicos se vão resolvendo. Como que beneficiando de um toque de Midas para o sucesso. Diria que temos de facto bastantes candidatos a esta figura. Mas, se calhar, por vezes, a este nível do esforço social no Porto, é melhor de facto ser Estadista.

Como está prevista uma “acção articulada com as juntas de freguesia e as associações de moradores no âmbito das estratégias de realojamento e das acções de proximidade junto das zonas residenciais mais vulneráveis”, esta medida sobrepõe-se ao voto eleitoral que terá legitimado o derrube puro e simples das Torres do Aleixo, e o respeito dos responsáveis da Câmara do Porto para com as pessoas do Bairro do Aleixo faz agora parte deste objectivo de uma cidade mais solidária? Desejo que sim, e que se abra um caminho de diálogo e cooperação, porque o segredo do sucesso sustentado a longo prazo está nesta forma de ser. O conflito interno tem prejudicado o desenvolvimento da nossa cidade e as perspectivas para o futuro dos nossos filhos, sendo só aproveitado por quem beneficia pela nossa divisão.

Diria que, para além da necessidade de uma maior coordenação entre os intervenientes na área social, são também necessárias práticas diferentes de intervenção. Tendo a cidade do Porto legitimado a identificação de Cultura com Lazer, será que há agora abertura para o Social ser equiparado a Empresarial Social, e olhar para o que é afinal isso do empreendedorismo social e de empresas sociais de que fala o criador do micro-crédito, Muhammad Yunus?

Não posso é deixar de dissociar este plano da necessidade que teremos de desenvolver a actividade económica no Porto, para promover o emprego e a fixação de quadros qualificados e de riqueza. Não há Social resolvido sem desenvolvimento económico. Existe um mercado social, assente no peso das pessoas idosas, a desenvolver e que pode ser objecto de exportação. Na Suécia, o que é visto como problema, passa a ser um desafio para ser ultrapassado: por exemplo, o envelhecimento da população e a pressão sobre o sistema de segurança social é entendido como um incentivo para a investigação em áreas como a demência, senilidade e outras relacionadas com o envelhecimento dos suecos, criando valor de exportação para outros países que compense os custos que terão de ser suportados por esta realidade. E se existe uma área (bastando ler os jornais diários) em que Portugal tem vantagens competitivas é a que se relaciona com a saúde (investigação, aplicação, farmacêutica, turismo de saúde, geriatria, bom clima e tudo o mais associado). Fazendo um paralelismo com novas acções no domínio do desenvolvimento regional, recentemente um director do Ecobank defendia que as empresas africanas se deviam transformar em líderes regionais, seguindo o exemplo de países do sudoeste asiático como a Malásia e Singapura. Dado que se pensa muito no desenvolvimento, mas apenas em termos de governo, e onde este surge como o elemento indispensável para o alcançar, existem muitas coisas que poderiam andar mais depressa se as empresas fossem usadas para veículo adicional de transformação. As empresas fortes são a base para o desenvolvimento.

Apenas para concluir que se trata de um excelente diagnóstico e de um excelente projecto, que merece o crédito e a disponibilidade do Porto e do Grande Porto para o apoiar na sua implementação efectiva, que de muitos depende e a todos beneficiará. Seguindo as palavras na passada semana de D. Manuel Clemente, "é preciso é fazer, fazer bem e fazer o bem".

José Ferraz Alves
Movimento Norte Sim