De: Pedro Figueiredo - "Porque é (também) normal fazer-se compras em Mercados Municipais?"
Olá, Vítor Silva, deixa-me ver se também alinho alguns argumentos sobre esta questão:
1 – Porque é (também) normal fazer-se compras em Mercados Municipais?
Parto da minha experiência pessoal para chegar a estas questões dos mercados – Bolhão, Bom Sucesso – que, sendo também questões cívicas e políticas, são também parte da minha vida semanal de habitante desta cidade. Eu vivi até 2006 em Vila Nova de Gaia, e quem fazia as compras de casa eram os meus pais. E em Gaia sobretudo usámos e ainda se usa o carro para se ir uma vez por mês ao Continente fazer as compras gerais e aí incluir tudo – frescos, enlatados, produtos não alimentares, etc-, … - Coisa típica de uma certa maneira periférica de ser e viver, quer se goste quer não – Pegar no carro, gastar gasolina, usar uma circular “não-lugar”, ir a um Shopping ou Hipermercado relativamente iguais entre si e aí fazer tudo “confortavelmente” ao som pré-instalado do Super (Roxette a passar no Rádio Clube de Gaia).
Há 4 anos que vivo no Porto e os meus hábitos mudaram para uma certa Urbanidade que vejo também existir noutros vizinhos, incluindo da minha rua e prédio. Do Marquês ao Mercado do Bolhão onde uma vez por semana fazemos religiosamente parte das compras de casa, vamos e vimos de Metro, com as compras na mão. Pelo caminho à vinda, outras compras na mercearia do Sr. Miguel, no Pingo Doce do Marquês (…de Janeiro a Janeeeiro!) ou no Mini-Preço. Fazer pequenas compras à semana e sem gastar gasolina em idas a uma única grande superfície passou a ser bastante funcional, apesar de talvez parecer o contrário, sob outro ponto de vista.
No Mercado do Bolhão (saída Metro Bolhão – a viagem Marquês -Bolhão são apenas uns simpáticos 13 minutos incluindo transbordo na Trindade) passei a ir impreterivelmente às mesmas senhoras que passei a conhecer pelo nome, e estas passaram não raras vezes a fazer-nos descontos aqui e ali, dois dedos de conversa aqui e ali. A Dona Fátima reserva-me sempre um ramo de salsa (de graça), a outra senhora cujo nome não me recorda tem uns bróculos gigantes, a Dona Maria tem tomates Coração de Boi super vermelhos. Não são nomes fictícios. São Senhoras que tratam os clientes por “ó amor”, “ó riqueza”, uma simpatia… E ao Sábado de manhã, por entre os andaimes, velhotes e menos velhotes, casais “jovens” como nós e turistas de várias nacionalidades cruzam-se. Em geral, é bastante animado o ambiente do Bolhão ao Sábado de manhã.
Cai logo o pano entre as caras do costume e a simpatia do mesmo costume, sobre o “nojo” (efectivamente é “nojento”) o aspecto de estaleiro permanente que os andaimes “do Rui Rio” vergonhosamente povoam e chateiam sem qualquer necessidade estrutural aquele magnífico edifício (eu sou arquitecto, eu sei). Claro que há horários basicamente mortos. Sobretudo às horas de almoço. É como em qualquer shopping: se fores ao NorteShopping à sexta à noite deverá estar a abarrotar, coisa comparável com as devidas distâncias em animação ao Mercado do Bom Sucesso ou do Bolhão a um Sábado de manhã. E o contrário também é normal: Há as horas mortas do shopping, que deverão ser Sábados e Domingos de manhã, imagino, tal como os mercados às horas de refeição… Tudo isto me parece pacífico. É a vida de qualquer equipamento…
2 – Porque é (também) normal fazer-se compras em shoppings e supermercados?
Como não sou adepto de transformar mercados em shoppings, também não sou adepto – acho eu – de transformar shoppings em mercados… Eu faço compras de shopping em shoppings… (roupa, coisas especiais para a casa). Faço compras de supermercado em supermercado (as coisas de higiene e de casa em geral, os “enlatados”, vinhos correntes). E, voilá, não prescindo de arranjar tudo o que é frescos – flores, peixe, legumes e frutas – nos mercados (o Bolhão). E, assim, a peridiocidade semanal da compra ajusta-se ao fresco (uma semana de validade para um “fresco” é em geral demais…). Ora, é “vox populi” que os frescos não serão - por certas e determinadas razões – as especialidades das grandes superfícies. Se o forem ficarei igualmente satisfeito. Sem rancores. Agora, eu não vou também comprar cuecas ao Mercado do Bolhão, nem perfumes ao Pingo Doce. E tudo bem na mesma…
3 – Porque é que não é normal destruir um Mercado Municipal para aí fazer um Shopping?
… Porque cada coisa no seu lugar, não é? (o bom senso, a sensatez) Não vou impedir as pessoas que como eu precisam de ir ao Bolhão à semana ou as pessoas como a Paula Sequeiros que precisam de ir à semana ao Bom Sucesso de ir lá fazer as suas compras, e quê? Vou à Intimissimi ou à Massimo Dutti comprar tomate, alfaces, batata, pencas, laranjas? Mas está tudo louco nesta cidade?
4 – Porque é que as pessoas nesta cidade do Porto aceitam com "normalidade” (aceitam?) a destruição do Mercado do Bom Sucesso, e se calhar acham absolutamente “extraterrestre” ouvir falar na hipótese de demolição do Shopping do Bom Sucesso aqui mesmo ao lado?
O Shopping do Bom Sucesso – péssima obra de fraco desenho urbano – tem uma ordem (Ordem!) de demolição pelo tribunal, e sem apelo possível… Ninguém o deita abaixo, talvez por questões económico-“psiquiátricas”, é que parece ser areia demais para a nossa carroça, não estamos assim tão habituados a ver demolido um elefante branco, não é? Menos ainda, não estamos mesmo nada habituados – nada habituados mesmo – a, imagine-se ver cumprir a LEI… A lei, magistral, pura e sem apelo, e que supostamente garante a Democracia e regula a vida das pessoas… Vamos assim ilegalmente continuar a arcar com aquele edifício do Shopping do Bom Sucesso, realmente uma pérola da nossa Arquitectura, a ensombrar a Rua do Bom Sucesso.
O reverso da Medalha:
Temos ali ao lado uma – agora sim – pérola da Arquitectura Modernista – com uma magnífica nave interior, curvilínea, estrutura em betão à vista, uma luz interior fabulosa, simultaneamente abundante e controlada. Este espaço – o Mercado do Bom Sucesso, em vias de classificação como património pelo IGESPAR (chegará a tempo esta classificação?), está previsto ser preenchido com dois volumes impressionantemente feios (sim, feios, palavra tabu), ridiculamente densos para o espaço magnífico onde se vão inserir (eu sei, eu sou arquitecto).
Repara, Vítor, que em Arquitectura as mudanças “apenas” são eternas. Quando uma coisa se transforma é para sempre. A nossa – Arquitectos – responsabilidade é total! Se eu faço uma parede, salvo raríssimas excepções, ela vai lá ficar nos próximos 20 anos, 50 anos, 100 anos, 1000 anos se for óptima Arquitectura. É por isso que defender o património, tal como fazer património, é uma coisa Radical. O que se faz, fica. Faz-se mal, fica mal. Faz-se bem fica bem. Arquitectura não são textos, ideias, coisas de faço agora, desfaço daqui a um bocado… O contrário de um edificio ficar como está é sempre, salvo raríssimas excepções, ficar exactamente ao contrário… E não há apelo nem agravo… não dá para fazer reset depois das asneiras feitas.
5 – Esta intervenção é também uma machadada nas próprias ideias liberais que aqui no Porto e mesmo neste blogue parece fazerem tanto furor.
E digo isto sem cinismo. Um verdadeiro liberal – para quem o seja - só pode ser um defensor da economia livre de mercado. E livre não quererá (suponho) dizer nunca o poder público Câmara e Estado central fazerem favores a particulares, certo? É que aqui o Estado isenta de impostos uma empresa privada (IMT) – a Eusébios -, beneficiando-a e distorcendo assim o tal mercado “livre”. Mais ainda, oferece-lhe por cerca de 70 anos o benefício fantástico de poder usufruir de um edifício já existente, já com uma história, já com uma marca, já num óptimo sítio e centralidade, etc, etc... Isto é sequer Liberal? Senhores que (inclusive neste blogue) apelam constantemente ao “Livre Mercado”? Lamentavelmente, o Conservadorismo Autoritário é o que mais se aproxima desta ideologia de beneficiozinhos a certas e determinadas empresas. Se não vivêssemos o subsidiodependentismo de certas grandes empresas, “Eu”, se fosse uma grande empresa e quisesse fazer este shopping num verdadeiro Estado Liberal, que remédio tinha senão arranjar um terreno, comprá-lo conforme as regras do mercado, amanhar-me com os impostos justos para todos, e aí sim fazer livremente o meu negócio… E em pé de livre igualdade com todas as outras empresas do meu tamanho. E sem despejar ninguém, nem microcomerciantes, nem mercados. (Mas eu sou marxista e portanto nada tenho a ver com isso, graças a “deus”.)
6 – Vai ver o Mercado de Olhão, no Algarve (via net, talvez do gabinete RISCO (Arq.º Manuel Salgado).
É um bom exemplo com dinheiros municipais e europeus de recuperação de património. Tive a sorte de no Verão ter lá estado. Eu e mais dezenas de comerciantes, compradores, turistas, azulejos novíssimos em folha, balanças normalizadas e sofisticadas para cada comerciante, tudo limpíssimo, peixe fresco, tectos sem patologias construtivas, gente a entrar e a sair e uma promoção geral de produtos algarvios e seus derivados “gourmet”. Amêndoas, bolos de amêndoa, figos, doce de figo, fava, etc, etc... É ir e ver para mostrar ao Dr. Rui Rio. Se calhar a Câmara de Olhão até é “laranja”, mas como sabemos a estupidez assim como a inteligência quando calham, calham sem partido ou ideologia... Assim o espero.
7 – Aproveito para apelar à CAMPO ABERTO a que tome posição pública sobre a questão do Mercado do Bom Sucesso.
Creio que é fácil de ver que esta Luta Urbana pelos Mercados de Frescos é a feliz convergência de uma Luta pelo “Verde” e de uma Luta pelo “Betão”. Converge uma luta pelo Património (Arquitectura e Cidade) com uma Luta pelo Verde (Alfaces, cenouras, pencas, nabos, laranjas, cebolas, maçãs, etc...). A CAMPO ABERTO compreende com certeza a ecologia inerente a esta luta, e portanto também lhe diz respeito. E eu respeito e reconheço o óptimo trabalho que a CAMPO ABERTO tem vindo a fazer. Já são poucos os bombeiros para tantos fogos... Nuno Quental, Vítor Silva, Tiago Azevedo Fernandes?
Obrigado Vítor pelas perguntas, e um abraço.
Pedro Figueiredo