De: Paula Sequeiros - "Mercados Municipais – em diálogo com Vítor Silva"
Olá Vítor:
como cliente há mais cerca de 30 anos do Bom Sucesso e pela informação que fui recolhendo como membro do Movº Mercado Bom Sucesso Vivo, posso adiantar o meu ponto de vista em relação às suas questões.
1 - infraestruturas – o Bom Sucesso precisa de obras de manutenção, sem dúvida, mas a nível infraestrutural a informação que temos é que não tem problemas de monta; note-se que eu, pessoalmente, sou contra a ideia de construir um parque automóvel lá dentro, solução defendida pelo menos por uma força política; não faltam parques em volta e há pessoal no mercado que nos leva as compras até ao carro se necessário for; o que o mercado precisa é sobretudo de renovação de revestimento de pisos, pintura, e de casas de banho também renovadas. Outras intervenções só depois de análise técnica qualificada, naturalmente, mas não aparenta problemas estruturais. Quanto a horários a história é outra – isso é incumbência da Câmara que, como se vê, não está interessada em sequer renovar vendedores (não há licenças novas nem autorização para as transmitir entre família há mais de 10 anos); não depende portanto de decisão das comerciantes. A isto eu chamo a primeira machadada no Mercado.
2 - dimensão – o Bom Sucesso era/é grossista também; só que – sabia? - faz-se comércio grossista ilegal nas traseiras do mercado antes dele abrir, há muitos anos, e sem que a Câmara ou a polícia o impeçam apesar das queixas dos comerciantes que pagam taxas e impostos e perdem assim grande parte do negócio. Esta é a segunda grande machadada.
Contudo admitimos que há lugar sobretudo para diversificar actividades. Um exemplo: uma filha de comerciante quis abrir um cabeleireiro lá dentro – as próprias vendedoras seriam clientes. Casos assim há muitos, não há falta de iniciativa. A Câmara recusou, lá se vai pelo ar o apregoado apoio ao empreendedorismo... As tais lojas gourmet podiam ser acrescentadas aqui, nada impedia. O que falta é vontade política. Por outro lado os mercados introduziram avant-la-lettre o conceito de one-stop-shop, a dimensão permite aliar comodidade a diversidade (comida, plantas, roupa, sapateiros, etc...)
3 - Diferenciação de produtos – Aí é que está a grande vantagem dos mercados que escoam produtos nacionais, muitas vezes das hortas da própria cidade e dos arredores (comércio eco-sustentável!). Eu que sou gastrónoma é aí que compro o brócolo-roxo nesta época, as maçãs Bravo de Esmolfe, as castanhas e os frutos secos nacionais, os feijões que não são conservados por «gaseamento com insecticidas» como a minoria do que se vende, geralmente importado, etc. Como disse há dias ao PortoCanal, mas não chegou a passar, isso é que é alimentação gourmet, na tradição portuguesa. Comer bem não tem de ser comer à francesa, ou alemã, ou o que quer que seja. Já agora repare bem que na última entrevista que a Eusébios deu no JN já não falavam das tais lojas gourmet. Não acha aliás uma ideia peregrina misturar hotel com mercado, com escritórios? Tudo com horários e públicos tão diferentes? É preciso ser um génio do marketing – mesmo do ponto de vista deles... - para perceber que isto nunca funcionaria?
4 - Outras cidades – boa pergunta! Pois eu costumo dar o exemplo de Matosinhos mesmo aqui ao lado e de que fui cliente durante muito tempo por causa do peixe fresco. Mantém-se muito activo e actualizado - pode encontrar também produtos biológicos.
Além do mais nos mercados consegue-se uma proximidade com as vendedoras que nos resolve muitos problemas (reclamações, sugestões delas, etc.). A grande questão é que a Câmara é o Senhorio deste equipamento mas não o tratou, pelo contrário, fez tudo para o degradar. Há 140 microempresas nesse mercado, cerca de 400 postos de trabalho. Na posse de contratos de ocupação (não de arrendamento) aquela gente vai ser de lá posta para fora, eu apostaria, sem as contrapartidas devidas. A Câmara já se desligou dizendo que a Eusébios é que tem de indemnizar...
Volto a frisar: a degradação dos mercados foi um acto programado da Câmara que visa o negócio imobiliário em vez de visar a gestão dos bens públicos e o bem estar dos seus cidadãos. Em frente, o Centro Comercial Península tem mais de metade das lojas fechadas. Ao lado, os hotéis competem e oferecem preços, na Boavista, bem inferiores aos dos junto às entradas da cidade. Como dizia o Luís Miguel Queirós num artigo do Público de Domingo passado, o projecto da Eusébios até poderia resultar, mas porquê à custa deste edifício e desta gente? Se isto for para frente só vai ficar a casca, uma fachada não é um edifício e quando mais esse shopping da Eusébios ficar às moscas, quem vai assumir os danos à cidade?
Abraço amigo,
Paula Sequeiros