De: José Ferraz Alves - "Onde ou como mudar: Porto pode ser Praga, não Barcelona"

Submetido por taf em Quinta, 2010-02-04 16:48

Caro Augusto Kuttner de Magalhães

Obrigado pela atenção que tem demonstrado a temas que aqui também tenho debatido, como o empreendedorismo e a actividade cívica dos mais jovens. Começo por lhe referir que, ao ler a sua descrição sobre Serralves e a sua envolvente, consegui estar a ver e a sentir o espaço, pelo que lhe agradeço ter trazido esta sua capacidade para este nosso espaço de expressão e de partilha de ideias e de projectos. Também totalmente sintonizado com o excelente exemplo da empreendedora Catarina Portas. Talvez seja este o segredo, respeitar e perceber o passado, para depois o saber actualizar para os dias de hoje. Muitas vezes penso nessa aplicação à cidade do Porto e a importância que historiadores, sociólogos e geógrafos têm na concepção de uma nova actualidade e a quem os engenheiros, advogados e economistas mais deveriam recorrer. É um ponto para irmos debatendo, mas sabe que vejo mais o Porto à imagem de uma Praga ou Budapeste do que da Barcelona que os novos criativos - tecnocratas - da CCDRN nos estão a apresentar? Repito a minha afirmação, "o Porto deve ser pensado a partir das realidades de Praga e de Budapeste". E não devemos assumir o turismo como desígnio da cidade, mas sim a busca da identidade adormecida para a sua reabilitação social, como todos os novos exemplos ligados à cultura e à formação universitária. Concordo inteiramente com desígnios, causas, como os lançados pelo Prof. Alberto Castro, de converter o Porto em cidade Erasmus ou cidade das energias renováveis, por exemplo. Depois, os turistas acabam por aparecer. O turismo não é uma causa...

Sobre a importância da necessidade de mudança associada ao empreendedorismo, deixo, com a sua autorização e agradecimento, umas palavras de Paulo Vieira de Castro, mentor do projecto Dharma Marketing e Director do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do ISAG - Instituto Superior de Administração e Gestão, que vou entrevistar no próximo dia 9.02 no meu Bloco Notas na RTV:

"Não há nada que melhor defina uma pessoa que aquilo que ela faz quando tem total liberdade de escolha. A empresa humana terá de abandonar o ideal de crescimento para amadurecer, encontrando, finalmente, um sentido mais amplo para o que pensa ou faz. Esta ideia aplica-se a tudo o que é realização do homem, pelo que também a economia, a política, a religião, os negócios… terão de empreender tal transformação.

Frequentemente encontro pessoas que me dizem estar à espera de um sinal do lado espiritual … algo que lhes diga onde ou como mudar… perante esta inquietação, geralmente respondo: "Estás enganado! O mundo espiritual é que está à espera de um sinal teu, por isso te deixou livre, por isso te deu total liberdade para escolheres o teu próprio caminho". Preocupa-me pensar que há quem gaste uma vida inteira nesta expectativa de ser tocado pela espiritualidade. Pela minha parte acredito que o mundo só muda se eu mudar, não tenho por que ou por quem esperar. É pois nesta escolha de caminho que reside a honra de ser humano e, consequentemente, a atitude de cuidar. Não há nada que melhor defina uma pessoa que aquilo que ela faz quando tem total liberdade de escolha. E porque aquilo que faço e o que me acontece são uma e a mesma coisa, como prova do que acabo de afirmar trago a seguinte história:

Perante uma terrível inundação, não tendo mais para onde ir, um homem esperava no alto de um telhado que o libertassem de tal tormenta. O nível de águas não parava de subir, apesar de assustado e exausto, em nenhum momento deixou de rezar. De repente, viu uma luz ao longe. Era uma frágil embarcação, do seu interior um homem vociferou: «vem! Eu levo-te para terra firme». Equilibrando-se com manifesta dificuldade e, muito embora se mostrasse agradecido, gritou: «Eu sempre fui temente a Deus, eu sempre dei o melhor exemplo, eu sempre lhe prestei contas de tudo o que fiz, eu fui o melhor dos seus seguidores … Ele não me abandonará». O barco foi-se embora. Depois deste vieram mais dois. E, foi assim, que após três tentativas frustradas de salvamento, o nosso herói foi levado pelas águas em fúria. Indignado, uma vez chegado do outro lado, pediu para falar com Deus. Na presença deste, e depois de fazer uma retrospectiva da sua vida de santidade e préstimo, concluiu, amarguradamente: «Depois de tudo isto Tu abandonaste-me…» Surpreendido, Deus franziu a testa e perguntou: «E os três barcos?»"

Este é um exemplo como a espiritualidade, ou se quiserem a divindade, se apresenta perante nós todos os dias, cuidando de nós, sem que disso tiremos a devida lição. Certo é que a perda de um centro de valores robusto colocou, muitos entre nós; à espera de algo, perdendo-se neste emaranhado de coisa nenhuma. Esta é uma postura que condiciona, irremediavelmente, a nossa atitude em todos os projectos, afectando a vida profissional, afectiva, familiar.

SUPERAR A MAIOR DE TODAS AS CRISES

As revoluções não acontecem pela fome nem pela miséria, elas são sempre fruto de uma nova consciência. O medo, o sofrimento, a dor, o ego … são forças que contaminam a nossa realidade, impedindo-nos de expressar a consciência de nós próprios em tudo o que realizamos. E, esta é, sem margem para dúvidas, a maior de todas as crises! A empresa humana chegou a um ponto em que terá de abandonar o ideal de crescer para amadurecer, encontrando - finalmente - um sentido mais amplo para tudo o que faz ou diz. Esta ideia aplica-se a tudo o que é realização humana, pelo que também a economia, a política, a religião, os negócios … terão de amadurecer. Este é um esforço que não depende de estratégias de guerra, muito menos de um qualquer enigma, nem tão pouco dos mercados financeiros.. Apenas de o recentrar em torno desta ideia de que o mundo muda se eu mudar.

Lembro que a crise presente, em especial a económica, é, mais do que qualquer outra, resultado do nosso desamor. Assim como na vida, também nas organizações nos devemos centrar, essencialmente, no cuidar a alma da relação. Cuidar tornou-se a palavra mais esquecida do competitivo mundo das empresas e, talvez por isso, das nossas vidas. Ao introduzirmos o cuidar em contexto dos negócios, passamos a perceber todas as relações do ponto de vista do paradigma quântico, tendo em conta a capacidade de níveis mais subtis da vivência humana (natural) interferirem (interdependendo) na criação de realidades multi-dimensionais inconscientes, ou seja, numa prática espiritual. Também nas empresas cuidar é poder existir, ter novamente esperança, promovendo condições de reciprocidade, cooperação e aceitação plena. Esta transformação será um elemento de distinção na construção de uma nova forma de ver o mundo com base em novos questionamentos. Para que isso aconteça no ambiente empresarial, talvez seja necessária uma nova transparência de propósitos, novos valores e expectativas, um novo enfoque relacional… refiro-me à criação de verdadeiras comunidades de proximidade real.

Paulo Vieira de Castro"

Obrigado a todos aqueles que me ensinam algo e vamos começar a empreender, mudando o Porto, mudando o Norte.

Um abraço
José Ferraz Alves
Rede Norte