De: Pedro Figueiredo - "Cooperativismo na Reabilitação do Porto"
Capitalismo Social vs. Cooperativismo
Tento aqui discutir com José Ferraz Alves o conceito de Capitalismo Social apresentado no texto "Menos Estado, melhor Estado - A resposta está no modelo das empresas sociais". Farei a ponte para a discussão da cidade do Porto. Outra coisa não seria de esperar neste lugar (lugar cada vez menos virtual) d'A Baixa do Porto.
1 - Talvez não precisemos de Novos Conceitos. Talvez tão somente precisemos de reabilitar o que de melhor têm conceitos que já existem e que foram subaproveitados e mal aproveitados ou não-aproveitados de todo. (Também aqui a palavra "reabilitar" - edifícios, conceitos, ambiente.) Reabilitar não é restaurar. São coisas diferentes. Um restauro é a reposição exacta de um objecto ou de um modelo. Uma reabilitação é uma intervenção crítica.
2 - Proponho antes a reabilitação do conceito de Socialismo Democrático. Não será nada de novo, dirão. Mas sim, terá de ser algo novo. Nova síntese. Em dialética, crítica e dinâmica, pois claro. Terá forçosamente de transportar em si uma crítica que supere muitos dos erros, omissões, desvios, barbáries, insuficiências, alienação, burocratismos, desrespeitos, estupidez, etc, etc dos Estalinismos em boa-hora (1989) erradicados da Europa de Leste e também os enganos ainda vigentes da Social Democracia europeia, cada vez menos Social, e Democracia tantas vezes não participada.
Um dos erros recorrentes do Estalinismo foi a substituição "tout-court" do patrão Capitalista pelo patrão Estado. Assim, a mudança de paradigma em vez de se verificar a 180º, foi uma "mudança" a 360º. Não foi uma mudança portanto, antes um retornar à mesma situação: o Patrãozinho. Chame-se Patrão Estado ou Patrão Capitalista, foram e são as duas faces de uma mesma moeda. Houve quem lhe chamasse de Capitalismo de Estado. E com propriedade, porque continuou a União Soviética (e não só) a explorar os trabalhadores num sistema de concorrência semelhante ao sistema Capitalista: industrial, produtivista, sem direitos sindicais (alguém imagina "Socialismo" sem direitos sindicais? Eu não...), Monopolista de Estado, anticoncorrencial (tal como a genuína aspiração dos nossos Belmiros de Azevedos, ter-se um monopólio que permita impôr preços à discrição...).
3 - Um dos pilares de um Socialismo Democrático será talvez uma economia com uma grande dose de Cooperativismo. O que é o Cooperativismo? Já o conhecemos no Ocidente. Em Portugal as Cooperativas de consumo, as Cooperativas de produtores, as Cooperativas UCP (Unidade Colectiva de Produção) propriedade colectiva das terras Alentejanas e Ribatejanas. Houve a experiência Cooperativista da extinta Jugoslávia. Houve o breve Socialismo Democrático de Allende no Chile com uma economia Socialista diversificada também apostada em fomentar a propriedade Cooperativa (1970-1973)... De facto precisamos de alternativas económicas, mas não lhes chamaria novamente de Capitalistas. Acreditar nas boas intenções de um empresa de Capitalismo Social parece-me de alguma ingenuidade, esta sim, utópica. A questão está na propriedade dos meios de produção e no grau de participação nas decisões, na repartição de riqueza entre quem cria as mais-valias.
"É simplesmente humano ele [empresário] pensar que o produto que fabrica seja o seu produto, que o lucro que aufere seja o seu lucro, que a fábrica seja a sua fábrica; e, sendo ele um homem livre, que ninguém, nem mesmo o Estado, tenha o direito de se intrometer nos seus negócios. Na realidade, o seu produto contém apenas uma fracção mínima do valor por ele criado e é a comunidade (económica) que lhe fornece a mão-de-obra de que ele necessita e que, ao gerar a procura pelos produtos que ele encaminha para o mercado, lhe atribui a posição que ele ocupa no processo produtivo, a cujas exigências ele deverá obedecer se quiser ganhar alguma coisa."
pág.96, Nome: A Bolsa, Autor: Max Weber, Editora: Relógio D'Água
Da mesma forma que o tal Cooperativismo só por si não transforma uma empresa numa "boa" empresa... Em Portugal, tanto quanto julgo saber, as razões da falência ou transfiguração de algumas empresas cooperativas em empresas especulativas (como qualquer outra empresa capitalista ao fim e ao cabo) tem a haver com a manutenção do mesmo tipo de "regras" de um mercado livre. Cada qual por si... E portanto muitas cooperativas adaptaram-se às regras do mercado (desregras) transformando-se em cooperativas com interesses Lucrativos e abandonando implita ou explicitamente os interesses Sociais a que inicialmente se propuseram. Sei de Cooperativas de Habitação que hoje em dia no Porto especulam nos preços como se não houvesse amanhã, não estando a trabalhar como há 30 anos estiveram para o benefício cooperativo...
4 - Para resolvermos as graves carências Habitacionais do Porto, talvez fosse importante:
A - Fazer participar nos processos de reabilitação os futuros moradores. Em vez da actual filosofia da SRU: a filosofia "Eu penso, eu faço, tu compras caro, eu lucro muito", a filosofia "Nós pensamos, eu faço, ambos lucramos alguma coisita"
B - Permitir e fomentar através do programa de recuperação da cidade o estabelecimento de Cooperativas de Habitação com uma filosofia social de actuação. No centro da cidade,
a cidade mais acessível à economia real e às economias sociais.
C - Permitir e fomentar a ocupação de habitações devolutas por conjuntos de cidadãos organizados para o efeito. Através de um requerimento a apresentar ao Município, iniciar-se-ia o processo tendente ao desbloqueio da "situação" de determinada habitação: expropriação ou acordo com o proprietário. Projecto e Obra em estreita colaboração entre os futuros moradores e uma equipa projectista. Processo participativo e em conjunto, portanto.
Concordo bastante com David Afonso quando fala de olharmos também para Campanhã. É que praticamente toda a cidade do Porto está a cair... Não só na Baixa, mas em Campanhã e não só. Recuperação com objectivos sociais sem qualquer freguesia seria uma meta.
5 - Ainda sobre o "Capitalismo Social": O que encontrei na Net e que possa complementar o estado "normal" das empresas "Capitalistas", acrescentando-lhes a mais-valia de um benefício Colectivo (sem as desvirtuar do seu leit-motiv da busca incessante do lucro), tem a ver com o objectivo de a empresa obter reduções nos impostos. E versa assim, em artigo de Rui Curado Silva, Investigador do Departamento de Física da Universidade de Coimbra:
"Certificação de empresas social e ambientalmente responsáveis
Em Filadélfia, nos EUA, foi criada a certificação "B", da palavra benefit, para distinguir os benefícios gerados por contributos sociais e ambientais das empresas. Este certificado B é atribuído após uma inspecção realizada por um painel constituído por 8 consultores independentes que analisa a empresa segundo cerca de 200 critérios que cobrem aspectos relacionados com: a comunidade, os trabalhadores, o ambiente, os fornecedores e os clientes. Grosso modo esses critérios encerram em si as seguintes questões fundamentais:
- A empresa integra explicitamente benefícios ambientais e sociais entre os seus objectivos?
- A empresa partilha toda a informação financeira (excepto informação dos salários) com os seus empregados?
- Quais os responsáveis da empresa que serão avaliados em função do cumprimento dos objectivos sociais e ambientais?
- As contribuições políticas e as participações em grupos de pressão são realizadas de uma forma aberta e transparente?
Por exemplo, uma empresa com certificado B recorre geralmente a fornecedores locais (limitando as emissões de CO2 relativas ao transporte) e contrata trabalhadores provenientes de bairros menos favorecidos situados nas proximidades. No entanto, as actividades destas empresas devem estar devidamente enquadradas por boas práticas de transparência. Os relatórios de contas deverão ser exaustivos e claros, bem diferentes dos relatórios fantasiosos do mundo financeiro durante o clima optimista que precedeu a presente crise financeira. Auditorias aleatórias e rigorosas verificam se estas empresas cumprem de facto o que é declarado.
O processo de reconhecimento deste certificado começou na cidade de Filadélfia, mas está neste momento em curso alargamento a seis estados dos EUA, para que todas as empresas beneficiem da parte da administração estadual de reduções de taxas, de impostos e de outro tipo de incentivos. No entanto, estas empresas registam já benefícios que se traduzem na fidelização da sua clientela e na sua integração em redes orientadas para o serviço social que reduz custos de operatividade.
Eis alguns dos resultados conseguidos até ao presente entre as empresadas com certificado B:
72% recorrem a energias renováveis ;
51% aplicam políticas de utilização de transportes públicos e de partilha de automóveis entre os seus empregados;
82% participam em programas de voluntariado nas comunidades locais;
74% são parceiras de associações locais de caridade, atribuindo donativos de cerca de 10% dos seus lucros;
90% são propriedade de empresários locais, cuja percentagem de proprietários mulheres e pertencentes a minorias étnicas é três vezes superior à média;
44% aplicam políticas de partilha de propriedade da empresa com os seus trabalhadores."
Pedro Figueiredo