De: Ana Carneiro - "Fugir da Baixa"
Há cerca de 4 anos mudei-me para a Rua de St.º Ildefonso, para o troço que fica entre o Largo do Padrão e a Praça dos Poveiros. Mal me mudei apercebi-me logo que seria impossível trabalhar em casa na divisão virada para a rua, porque o barulho do trânsito era insuportável. Aliás, no Verão tive de optar por uma ventoinha porque não se pode estar com as janelas abertas à noite. Mas tudo bem. Tinha um quarto no sótão relativamente sossegado onde instalei o meu local de trabalho. Mais tarde comprei um computador portátil e descobri que o lugar ideal para trabalhar era a cozinha: tinha espaço, luz e, acima de tudo, silêncio. À frente da janela erguem-se duas árvores imponentes do Jardim de S. Lázaro e nem as gaivotas se ouviam. Assim, resolvi transformar a cozinha em escritório.
Tudo corria muito bem até que, por alturas do S. João, a confeitaria do lado – como qualquer confeitaria portuense que se preze – passou a servir refeições e o meu paraíso silencioso transformou-se num inferno barulhento porque o exaustor da cozinha da dita confeitaria fica quase debaixo da minha janela. Falei com os proprietários, mas fiquei imediatamente elucidada sobre o tipo de homo sapiens (?) que tinha à minha frente. Fui informada de que “toda a gente sabe que os motores no Verão fazem mais barulho” (é preciso que se note que já tinha passado 4 anos naquela mesma cozinha e nunca tinha ouvido semelhante ruído e, além do mais, que tenho eu a ver com isso?), que "estava ali há dezasseis anos e nunca ninguém se queixara” e que “aquilo foi autorizado pela câmara”.
Perante isto, dirigi-me ao gabinete do munícipe da Câmara do Porto onde um simpático funcionário me disse que o assunto era com a ASAE. Ainda esperei algum tempo antes de ir à ASAE, mas num dia de desespero auditivo lá fui. Entretanto aconselharam-me a apresentar queixa no Ministério do Ambiente, o que fiz. O Ministério do Ambiente foi bastante célere, tendo remetido o assunto para a Comissão de Coordenação do Norte. Dali a uns tempos recebo uma carta da CCRN onde sou informada de que o processo fora enviado para a Câmara Municipal do Porto uma vez que, ao abrigo de uma lista infindável de legislação, era à Câmara que competia agir. No dia 23 de Outubro telefonei para a Câmara e fui informada de que o assunto iria ser tratado.
Foi aí que, depois de ter passado um Verão inteiro sequestrada dentro da minha própria casa – courtesy of the Neiva Brothers – e de tanto ter transpirado que fui parar à urgência do Stº António com carência de potássio, decidi mudar de casa, mudar de cidade e, se possível, mudar de país, porque aqui na Grunholândia não é possível viver: à frente um trânsito quase ininterrupto numa rua de paralelos que só serve para aumentar o barulho, e atrás a ganância encarnada numa cuspideira de ruído e maus cheiros, inserida numa paisagem pejada de telhados e telhadinhos dos mais diversos materiais e de chaminés de todos os tamanhos e feitios, que abrigam mal cheirosas casas de pasto onde a incauta população repasta.
Para já consegui mudar de cidade. Veremos quanto ao país.