De: David Afonso - "Revisão (I)"

Submetido por taf em Sexta, 2009-10-30 01:38

1. Muito se tem discutido aqui sobre os tags, graffitis e afins. Parece-me, no entanto, que se acabou por se confundir os efeitos com as causas. Por mais estimulante que seja o debate sobre as liberdades individuais e os limites do Estado, o que está aqui em causa é apenas o seguinte: os tags são um dos sintomas de abandono das cidades e não é perseguindo os adeptos dessa modalidade de cultura urbana que estas, como por magia, se reconstroem. Tratando os sintomas não curamos o mal. Se se deve ou não perseguir, apagar e eliminar é uma questão bizantina quando tudo o resto se está como está. Em vez de olharmos para a cidade, escandalizamo-nos com a petulância desta gente que nos vem rabiscar nos escombros de estimação. Mas não será o nosso escândalo a salvar Constantinopla…

2. Não sei se existirão números actualizados e fiáveis sobre o assunto, mas é impressão minha ou os actos de vandalismo e pequenos furtos têm aumentado? Na vizinhança do Carolina Michaelis não há despertar que não dispense uns quantos vidros de automóveis partidos (eu que o diga…), no Parceria Antunes umas dezenas de automóveis tiveram tratamento especial (quer dos vândalos quer das forças da autoridade), não raras vezes assisto a zaragatas entre espécies noctívagas e as horas de descanso há muito que deixaram de ser respeitadas. Sem querer resvalar em derivas autoritárias atrevo-me a dizer que o policiamento das ruas do Porto precisa de ser repensado. Há quanto tempo é que não vejo uma patrulha a pé? Por que motivo eu não conheço os policiais que são responsáveis pela segurança da minha zona? Quem são? Que rosto têm? São apenas um número de telefone? Policiamento de proximidade precisa-se. Caso contrário, arriscamo-nos a cair em soluções perigosas e desnecessárias.

3. O que se passa na Sé é um caso de descaso. Toda a gente sabe o que se passa. Toda a gente tem a percepção que a tendência é para o crescimento do tráfico de droga. Digamos que, ultimamente, têm aparecido muitas caras novas. Em determinadas horas do dia, Anjo, Souto e Pelames são um verdadeiro carrefour. A situação está no ponto: basta uma reportagem-espectáculo denunciando o escândalo para as consciências despertarem e ulularem por uma limpeza geral. Então, as forças policiais entrarão em cena cumprindo com rigor a coreografia dos directos e das “grandes reportagens” para sossego da classe média. É claro que tudo isto é espúrio e tudo voltará ao que tem de ser e a vidinha - mais coisa menos coisa - voltará ao que era. É um daqueles casos que a polícia de pouco serve (aliás, eles próprios sabem disso e preferem deixar o correr o marfim). A toxicodependência e o tráfico de estupefacientes é um fenómeno social e económico enraizado e está para durar. Pelo menos até começarmos a olhá-lo de frente. São necessárias salas de chuto e as drogas devem ser fornecidas pelo Estado. Em tempos, Rui Rio deu a entender que a solução das salas de chuto não seria, na sua opinião, de descartar. Com a segunda maioria absoluta que tem em mãos, tem a oportunidade de promover uma ruptura com políticas falhadas que apenas servem para perpetuar e amplificar o problema. Já o disse e repito-o: a direita não pode ficar acantonada em pruridos morais e a conservadorismo atávicos e deixar o trabalho sujo para a esquerda.

David Afonso